sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Velho Ano Novo

      Um ano que acaba mais uma vez tão corrido, tão fugidio... A mesma sucessão de dias e meses se dará como em todos os anos, mas o fascínio pelo novo é sempre instigante. O ovo sempre encanta a galinha. A volta ao começo, o mito da cosmogonia...A novidade, enfim!
Essa troca teimosa do velho pelo novo me lembra a história de uma vizinha de quem me tornei confidente anos atrás. Não, desta vez não é a Fada Bêbada, nem a moça do metrô, nem uma amiga. Era só a vizinha que me contava suas aventuras e desventuras. Sendo meio Bela da Tarde, meio Dama do Lotação, era casada e apaixonada pelo marido, mas não se continha nos confins de seu bem sucedido casamento e inventava affairs ardentes e incontroláveis. Enamorava-se por no máximo dois meses e desapaixonava-se, partindo para uma nova história. Embriagava-se do sumo até o que ela acreditava ser o bagaço e partia em busca de fruta madura e suculenta à deriva. Ocorre que uma das suas paixonites a estava comendo pelos tornozelos – não conheço esta expressão, mas devia ser mais ou menos essa a sensação da moça. Um mês de flertes acintosos se passara e nada dela sentir o gosto da tal fruta... Ela contava da boca carnuda, das mãos grandes, dos cabelos esvoaçantes e do olhar profundo e meio triste. Empolgava-se ainda mais e falava da pele muito bronzeada, dos cabelos queimados de sol e de um ar de bicho sem dono... Como nunca tive a oportunidade de conhecer nenhum de seus amigos apetitosos, a impressão que tenho é que sempre se tratava do mesmo rapaz... sempre cabeludo, sempre com olhos negros perscrutadores, sempre com jeito de cigano. Invariavelmente ela gostava de um perfil masculino atávico.
      Fato é que ela andava um tanto desequilibrada. Algo sempre dava errado e mais de dois meses iam-se em brancas nuvens, sem que ela o experimentasse afinal. Assim, ela se deu um prazo. Quinze dias e nem mais um segundo. Era dezembro e a época não muito propícia para casos fortuitos... Natal, confraternização com amigos, família, colegas de trabalho... Eis que o décimo quinto dia caiu no dia 31. A noite seria de brindes e espumas e como sempre, seu marido já tinha tudo muito bem programado.
      Foi então que ela superou suas fugas iníquas e dopou o esposo. No chá, no café... Não sei como o fez ingerir a tal droga, mas precisava que ele dormisse, afinal, haveria fogos, bombas de todos os sons, barulhos de boas vindas ao ano que vinha chegando, e, ademais, a Globo há tantas novelas ensina este feito às suas telespectadoras, que , certamente, de falta de criatividade para fazê-lo ingerir a tal droga ela não padeceu! Mas ele não dormia. Tentou uma primeira dose, uma segunda e meia... Até que, com os olhos vermelhos, ele cogitou cochilar antes de saírem para romper o ano. Quando a moça pensou que o tal calmante surtia efeito, o marido acendeu a luz e saltou para ela como um bicho voraz atrás de sua presa no cio.  Ela me garantiu que foi uma experiência selvagem, já que, apesar do enorme amor que nutria pelo digníssimo, era  raiva que a cegava naquela hora. Era tesão contido pelo outro, que àquela altura já a esperava desanimado. Teve muita, muita raiva do marido, que, inocente e inadvertidamente a possuía desavisado.
      Claro que depois de tanta energia gasta e sei lá quantas doses cavalares de algum calmante... Ele adormeceu e ela saiu. Descabelada, exausta e com sono. Já passava das quatro do ano seguinte.
     Disse que foi ter com o outro já cheirando a cidra e cigarro barato no quarto de hotel chinfrim onde marcaram antes do ano se acabar. Mas ela chegou tanto tempo depois, que até o ano novo já tinha cara de velho conhecido.
      Resultado: Teve de curar a  ressaca do tal rapaz de pele morena, a ressaca do marido, que só acordou de fato no segundo dia do ano e a dela própria, que, depois me confessou não ser a tal ressaca moral, mas sim ressaca de muito ano novo pra pouca novidade.
Não muito tempo depois, mudei-me do antigo endereço e a vizinha deve ter arranjado uma nova confidente para contar seus velhos mesmos casos!

domingo, 19 de dezembro de 2010

Amores Líquidos

Apropriando-me da idéia muito pertinente de Bauman, grito à Fada Bêbada que esses amores líquidos molham sim. Mas ela insiste que não e bate pé que se, por ventura, molhassem, as suítes que ela freqüenta têm secador de cabelo. Ela continua com essa mania de encher o peito pra dizer que está numa hidro espumante de motel, sozinha e trêbada...Vertendo-se, diluindo-se seca pra ninguém, como se só ela fosse a detentora da patente de estar sozinha num motel!
 Ela é a própria liquidez de que trata o dito sociólogo. Será que ele a conhece?
Ela diz que a espuma branca e quente é estimulante, que faz bem pra pele. E Freud até explicaria se ela deixasse, mas ela já o condenou inexoravelmente à grande fogueira desde que chamou clitóris de micropinto.
Cansei de tentar solidificá-la sobre qualquer base que não seja fluida. Ela quer continuar flutuante em suas espumas, escrava de uma poesia não licenciada, teimosa em seus amores diluídos e calada feito um túmulo. Se ao menos ela socializasse essas aventuras sexuais de que tanto se orgulha, eu teria histórias picantes para contar aqui. Mas não, fica do alto de sua banheira, pousando de garota propaganda de sabonete Lux – ou hidratente Monange, tentando acreditar que é o máximo porque inatingível por seus affairs. Um dia ela ainda se afoga de bêbada ou entra na banheira com o secador ligado... Enquanto não, eu tenho de aturar a simbologia da banheira que só ela não identifica como a panacéia de um corpo chafurdado em luxúrias de mentirinha.
Eu não sou moralista... Mas essa onda blasé há de desintegrá-la ralo a baixo

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Cão Vadio

Então no meio da zorra toda ela me sai gritando que paixão é um cão ladino e sem dono (quase um clichezão!). Mas era ela quem estava no cio. O cão dos infernos apenas respondia a seus apelos veementes. Ela era a dona do cão vadio e falava com tanta graça de seu descalabro que iluminava a sala e arredores. Se havia um quê de impaciência, devia ser uma espécie de tesão contido que lhe escorria pelos poros, mas ela parecia saber o que fazer com sua selvageria. Foi quando soltou uma gargalhada orgástica,  e disse, a seguir contendo o tom: “...mas eu sou tímida”.

Foto da net

sábado, 20 de novembro de 2010

Gostosa e sexy sim, Bukowski


“valeu mesmo”, ele disse quando contei-lhe que o cara com quem dancei no bar não foi para casa comigo porque sabia que eu estava acompanhada.

Dizia que eu estava sempre pensando em sexo. Eu apenas levava sempre o sexo comigo, como quem leva enrolado um saco de papel. Muita energia? Talvez eu tenha moldado meu modus vivendi em Marilyn Monroe.

Ele dizia que seus amigos se surpreendiam com o fato dele estar ainda comigo depois de tudo o que já havia acontecido.

Caminho, sim, com estranhos na rua que me abordam com um bom dia, desde que seja um bom dia novo. Desaprendi a não falar com estranhos.

Então, depois de tempos em que não nos víamos mais, andou dizendo que eu havia “submergido em meus órgãos sexuais e desaparecido” e que “eu era como um despertador caído no Grand Canyon, que tocou , tocou e pouco mais ou menos conseguiu incomodar os peixinhos”.

Senti sua falta, claro! Robou-se de mim, mas deu-se a si de presente e se dedicou ao sapateado e soube que namora uma moça linda e lânguida.


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Dança de Libélulas

  A Fada Bêbada me fez uma confissão esta tarde. Disse que nunca aprendeu a dançar. Tem algum tipo de disritimia, que não é cardíaca... Mas dos pés mesmo. Quase tremeu os lábios quando revelou nunca ter dançado valsa de quinze anos  nem de formatura. Como uma moça deve ter pés de anjo e se deixar conduzir na dança, a Fada Bêbada não dança! Ela conduz tudo, inclusive seus tropeços todos. E ela cai desde a mais tenra idade. Pensa que pode voar e ei-la no chão!
Então, numa reciprocidade de confissões, revelo-lhe também meus passos errados numa dança de libélulas:



Não escrevo poesia
Nem escrevo
Grito  da boca pra dentro
Sento nua nesta cadeira
E liberto as libélulas todas de vez

Aprendi a não escrever poesia
E a sentar em todas as cadeiras

A dança das libélulas
É uma dança que se dança só                                                       
È de uma simetria infame                                                                                      
Pêndulo de movimentos certinhos                                               

Nunca aprendi a valsar
A versar
Então sento de costas para o quarto escuro
E libélulo
Liberto minha coleção de meninas nos papéis
Voam
E eu desabo da fadiga desta única dança.


P.S - Foto apanhada no blog http://naparededocasulo.blogspot.com/ 

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Olhos e gatos de Iracema

Mulheres com gatos costumam ter alma volátil e pés quentes, foi o que me confirmou ontem uma jovem senhora ruiva de sessenta e poucos anos e olhos cor de janela aberta!
Os moços e moças que estávamos na sala debruçamo-nos todos sob seu para-peito largo e avistamos, de soslaio, uma paisagem ensolarada de poesia picada ...Enquanto, ela, numa modéstia felina, insistia que era escritora para suas gavetas.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Muita humanidade pra pouca gente

      N´alguma fenda secreta de nossas almas, um serzinho ínfimo, quase invisível, alimenta dia após dia, um Hyde carniceiro, um Exu faminto, um diabinho com tridente afiado. E cada um sabe a hora de soltar os bichos. Cada um sabe quando toca o terceiro sinal para lançar seu monstro ao público.E é nesse átimo bestial que nos batizamos de tão propagada humanidade. Paradoxalmente, é neste mesmo instante que ressoam dos quatro cantos burburinhos como “Isso é desumano!!”. Essa humanidade hígida é uma perfídia, daí a máxima cristã: “... que atire a primeira pedra...”
      Hyde está sempre se aquecendo atrás da cochia...Qualquer hora ele ganha a cena e não vai ser uma pedra que ele vai lançar. Ele vai chegar montado numa catapulta! E depois do espetáculo, sem nenhuma polidez, arrotará na cara dos pagantes, sem ao menos lembrar de agradecer ao serzinho ínfimo que tão desveladamente o alimentou

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Três Desejos

Ah, maldita Fada Bêbada!! Ela , com muita propriedade, avisou que faria mandinga, macumba, reza forte ou qualquer mentalização que me mantivesse bastante ocupada aqui no mundo das coisas e totalmente afastada do blog. Tudo porque não lhe dei a palavra numa última postagem. Pois a tinhosa amarrou umas duas fitinhas do Bonfim na "cintura" da Sofia (a lagartixa que ela cria no armário da cozinha) e eu fiquei todos estes dias distante... Prontamente, amarrei três fitinhas no meu tornozelo direito ... E voltei - mais assídua e enfeitada que antes! Enfeitada, sim, com minhas fitas coloridas (e ainda correndo o risco de realizar três desejos, sem gênio nem nada! Afinal, para cada fita quebrada naturalmente... um desejo realizado!).
Conta a lenda que pedido não se revela antes de alcançado... Então, vamos para além da lenda, onde existe um pote cheio de moedas de ouro nos esperando e onde se pode contar (quase) tudo. Este lugar existe, sim, e é onde se contam os causos fortuitos desta que aqui vos fala (escreve). Então, vamos aos pedidos: O primeiro nó (que apertei muito fortemente na fitinha vermelha) devotei à campanha presidencial. Pedi para que o nível das "polêmicas", ao menos estanque, e pare de se lançar ao pó como bolinhas de papel ao vento. Veio o segundo nó, e este eu precisava destinar à Fada Bêbada. Que Papai do Céu a tutele em seu mais novo distúrbio de consumidora inveterada de vouches de descontos on line! Basta ver um anúncio de 80% de desconto, que ela empina o cartão de crédito. Já comprou, de adesivos para paredes a aulas de ballet (ela que odiava dança!). Eu não deveria me importar com ela, mas o amor que a vejo devotar àquela osga de cozinha me comove... No terceiro nó, numa fita verde-musgo, mentalizei Santo Expedito e pedi que afaste do coração dos homens a ânsia por DRs. Sim, pasmem, crianças... Eles aprenderam e agora vivem querendo discutir a relação - pouco importa se esta já  acabou ou nem começou! Deve ser algum tipo de vingança....Aviso às (aos) navegantes: o gosto exacerbado por DRs é encontrado, com maior frequencia, em machos do tipo beta. Então, mais que nunca, meninas, muita atenção ao rótulo!!
Pois assim passei estes dias de compulsivo afastamento do blog: Fitas amarradas, nós cegos e facas amoladas em punho, porque cana é doce mas só  depois de devidamente descascada!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Oração de Lua

      Vocês sabem que, em respeito aos leitores alérgicos a poesia, eu nunca posto uma única sem antes avisar. Hoje, entretanto, não vou acionar o “alerta-poesia” porque se trata apenas de uma oração à lua... A Deusa  Lua das mulheres Incas, suas sacerdotisas.
      Hoje eu caminhava rumo à praça central, muito despercebida de tudo...Quando, em meio às bancas de pastel, cujo cheiro despertava os mais recônditos sonhos de minhas celulites, dei falta do celular. Passado meio segundo de desespero, tomou-me uma onda de liberdade... Uma consciência de plenitude que só devo ter tido algum dia n´alguma sessão de massagem ayurvédica! Naquele momento eu tomava pra mim uma tal liberdade emprestada a todos que me podiam chamar a qualquer instante num único toque polifônico! Olhei pra os lados porque tudo, de repente, estava à minha volta e queria ser, realmente, visto. Olhei pra cima e me deparei com uma lua insistente. Insistente porque era tarde ainda, mas dessas tardes que não intimidam lua... Tinha cara de lua crescente e parecia rir da minha recém descoberta de ser humano ante, durante e pós celular! O ônus desse esquecimento: perdi um trabalho! O bônus....? Foi tão bom!!! Eu recomendo!
  
Oração de lua
  
Palavras de lua são preces vestidas de branco
Ela, a bruxa de cetim!

Atirar-lhe-iam pedras, talvez
Ou fagulhas das fogueiras
Mas ela , distante se ria e ia e vinha...
Então os cães passaram a uivá-la
E os loucos a ouví-la
E os amantes...emprenham-se-lhe ainda nas noites
E, novos,
Crescem,
Enchem,
Ajoelham-se e rezam
Para que nunca se deite à míngua
O santo manto de luz

      A Fada Bêbada ta aqui do meu lado se roendo, roxa de raiva porque queria postar e eu não vou deixar. Ela está muito irritada com minha postagem brega (palavras dela). Diz que a qualidade da poesia já abandonou, há tempos, a categoria de “duvidosa”... Mas o blog é meu e hoje ela não vai postar coisíssima nenhuma! Ela que se acalme, vá buscar a lua pela sua janela... E amanhã... Quem sabe...

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O belisco

Vejam vocês como esta vida é toda torta... Cá eu fico escrevendo poemas, "causos"... Todos de alguma forma referentes à situação feminina, à ótica feminina... E eis que uma minha poesia acaba de ser selecionada para publicação pelo Sindicato dos Bancários da Bahia no Prêmio de Poesia Elisa Lucinda... Até aí tudo certo. O curioso é que a poesia selecionada fala justamente sobre pinto, pênis, bilau, cacete (e paramos por aí porque vocês já entenderam sem que eu precisasse continuar a descer o nível... ou a subir  -  a depender do ponto de vista...).
E alguém, muito maliciosamente, sugeriu que estaria faltando "culhão" no que escrevo... Vai ver que é por aí...
Então, a pedidos, e pra não dizer que não falei de flores... Falo, pois! Eis que FALO e pronto! Com vocês "Obelisco":




Digam aos homens que estou nas esquinas
às mulheres, que espero
aos meninos, que durmo.
E se não disserem nada, então estarei sentada
no canto da sala vazia
no meio da rua deserta
Estarei deserta
E serei tão crua como toda carne
Tão boca como um sorriso doído e preso.
Se não disserem,
Falo
Às mães sem filhos
Aos homens dos meninos
Aos que queriam não querê-lo ter.
Calo.
Pisado e batido
E calo pela boca cheia.

P.S -  Achei mais recomendável não postar foto hoje!!

domingo, 26 de setembro de 2010

Com doçura e com dendê

Receita de Caruru:

100 quiabos
1 xícara de castanha de caju
100 g de amendoim torrado e moído sem casca
2 xícaras de camarões defumados, descascados e moídos
2 cebolas grandes
2 xícaras de azeite de dendê
3 limões
2 colheres de sopa de sal
4 xícaras de água quente
pimenta
gengibre
alho

      O modus operandi da iguaria ainda não desenvolvi. Sei que hoje é dia de caruru na minha velha Bahia e eu estaria picando quiabos, se lá estivesse, para que uma boa baiana fizesse o enorme panelão e chamasse, depois, sete meninos que se lambuzariam na panela de barro! Mas apesar de autêntica, minha baianidade se limita ao estado de apreciadora inveterada da culinária do dendê, afinal, nem todo cão que não ladra morde, nem todo bigode é de gato e nem toda baiana é tão boa quanto sugere sua africanidade! Então, resta-me, ao menos,distribuir doçura... Que venham, pois, os meninos se empanturrar de bombom...Mas erê que não se comportar não ganha doce!!!  E depois eu me acerto com Cosminho e Daminhão...

TECLA SAP para os não baianos: Dia 27/09 é dia de São Cosme e Daminhão, que no sincretismo, representam os erês, ou seja,  as crianças no Panteão afriano.
A oferenda para os erês é, pois, muito doce e faz-se o tradicional “caruru de Cosminho” porque na Bahia, quem nasce em setembro não faz aniversário, faz caruru!!!

sábado, 25 de setembro de 2010

Mãe Véa

Minha Bahia
É uma mãe preta velha
Cheia de uns filhos idos e vindos
Que nunca vão.

Uma preta com seus muitos guizos
E risos largos.

Mãe véa mandigueira
Que se me amarra ao destino dos santos
Num doce e mole quebranto
No banzo dos orixás

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ares Primaveris

      Segundo dia da primavera... Estação bonita, boa pra se nascer – os outros signos que me perdoem! Os nativos de libra costumam ser propensos a querer fazer justiça a todo custo (o que, a princípio, os torna idealistas e eternos adolescentes), são aspirantes das artes e costumam viver mais nos ares que em terra firme! Mas são gente boa – como costuma ser a galera do resto do zodíaco! E, astrologias à parte, outro dia eu conversava com a Fada Bêbada, que me confessou certo cansaço. Cansada de fazer caras e bocas, de estar sempre bonita – ou tentar! Cansada de se apaixonar perdidamente, mas controlar-se para não assustar o (in?)felizardo de seus desejos, porque, segundo ela, os rapazes andam muito temerosos ultimamente. Temem o compromisso, mas também mulheres muito decididas que os chamam na chincha e os fazem brochar – quase sempre... Cansada de escova progressiva, de votar no PT, sem o velho entusiasmo... Então, no meio de um gole e outro de gim – neste dia ela estava completamente out, decidiu que, apesar de ser canceriana e pouco afeita a rompantes, incorporaria os ares librianos e votaria em Marina, apesar do PV (Partido Vendido – palavras dela), deixaria o sovaco cabeludo, tiraria quinze dias de férias em Itacaré ou Boipeba e processaria a operadora de seu cartão de crédito pela cobrança de juros abusivos. Se tudo isso a fará sentir-se melhor... ela não soube responder ainda, mas,  muito categórica, afirmou que, apesar de nem estar aniversariando, nem tampouco carpindo uma TPM desmedida, queria poder enfeitar de flores sua casa inteira e aspirar os ares primaveris desta estação piegas que por hora floresce entre amores-perfeitos, gérberas e lírios brancos... E que, se nada der certo, ela compra um vaso de comigo ninguém pode e leva com duas garrafas de cana pra´quele velho conhecido motel, enche a banheira e termina a noite ouvindo Vicente Celestino no seu mp3 -  que iPhone ela deixa para os virginianos ou escorpinianos arrojados!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

"Força Estranha"

     Pois se a força de Sanção padeceu à malícia de Dalila, no milenar Livro Bíblico, ontem a moça entrou no salão e fez a felicidade da cabeleireira, que, sem pena, pelou-lhe as madeixas e expôs-lhe a nuca.
     A moça ordenava, incisiva, que a outra não deixasse rastros da antiga cabeleira. “Cabelos são o atavismo espúrio dos vícios de nossa feminilidade”.... Nesse instante a cabeleireira parou, franziu a testa... E como não atingisse a mensagem posta, continuou a tilintar-lhe a tesoura afiada e precisa.
     Findo o processo, a moça olhou-se de frente, dos lados, de costas e, muito satisfeita, lançou num suspiro: "Só para garantir que não vou cair na tentação de deixar o tal fulano me puxar pelos cabelos!"
E saiu, cheia de uma força certamente maior que seu orgulho inegavelmente ferido.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O nome de Alice

Queria ser menina, no auge dos seus oito anos, e passar a tarde inteira no quarto brincando de mulher. Queria estar só. Rafaela tinha todas as idades em suas breves caminhadas.


Era uma quinta–feira quando encontrou uma senhora caminhando por volta das seis da manhã, com longos cabelos brancos que lhe chegavam abaixo dos ombros. Ela queria ser aquela mulher esguia, percorrendo o calçadão e ter o olhar de ferro como tinha aquela jovem senhora.

Queria chamar-se Alice, é tão mais sutil, mais feminino... Alice lembra uma menininha loira, que cai num buraco, que descobre sonhos engarrafados. Ela queria ser Alice ou Berenice que é um nome nobre, mas Rafaela era muito pouco para quem queria pouco mais que dias inteiros, perdida numa mata virgem.

E sonhava ter um namorado que dançasse com uma flor vermelha entre os lábios para entregar-lhe ofegante. Dançariam a noite inteira e não diriam uma palavra. Rafaela não queria palavras, queria olhos profundos e soslaios sutis, tudo que se pudesse fazer na ponta do lápis ou dos pés, como o desenho de uma bailarina que amarra as sapatilhas.

Imaginava nunca deixar o seio materno ou, ao menos, saber o que seria isso. Como se pode esquecer algo que dizem tão fundamental? Como não lembrar do seio farto de Da. Matilde? Por que ninguém lembrava do colo da mãe? Então ela queria uma filha e ser sua própria filha...pular dos dois ao dez anos, amar cada aniversário, queria ser um sonho de Alice e ouvir dizerem-na “Amo você , Alice”, queria sentir-se grande e gorda no peso de Berenice. Achava que mulheres grandes e gordas eram atraentes, tanto quanto as magras, ossudas, às vezes sem graça.

Mas o espelho se lhe mostrava tão pequena e frágil. Bracinhos curtos que mal abraçariam um homem largo ou uma mãe carnuda. Não tinha espelhos em casa.

Gostava de um perfume que sua vizinha usava e não sabia o nome, também nunca perguntaria. Todo perfume que começava a usar enjoava e jamais conseguia usar o frasco inteiro. Enjoava. E era bem isso...Rafaela era um nome enjoado.

Descobriu que podia trocar de nome, alguém falara uma vez e ela gostou tanto da idéia que só não buscou de pronto um cartório porque a dúvida não se dirimia...Alice, Berenice...mas Isaura era um nome bonito e Firmina era o nome de sua avó. Era bonito ter nome de avó, então poderia ser Alice Firmina ou só Alice. Nem percebeu que o tempo passava e quando voltou ao mundo dos papéis já havia passado tempo demais e agora seria Rafaela para sempre.

Foi aí que perguntou se seria mesmo Rafaela. Havia de ter um nome místico, um nome espiritual... As cartas, ou as runas deviam poder renomeá-la...certamente que podiam! Sua filha chamar-se-ia Carmem, como a da ópera e teria cabelos longos como ela não tinha.

Temeu não suportar o incômodo do seu corpo velho demais e jovem, eternamente jovem. Ela queria ser uma mulher. Ela queria amar um homem que a amasse ou mesmo um príncipe que se transformasse em sapo.

Então um psicanalista, que ela jamais cogitou procurar, revelou-lhe que seu prazer estava em vitimizar-se, contaminar-se com seus agouros. Assim Rafaela encontrou o caminho dos céus e gozou, gozou e gozou até cair fatigada, sem mais nome ou sobrenome.



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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Um poeminha fêmea

Ahahahaha! Hoje não tem jeito: vou postar uma poesia sim. Mas não fechem o blog ainda. É pequena, rápida e tem até um certo embalo... Juro, não dói. Ou, de repente dói porque a poesia é fêmea, como a dor e a beleza do parto (dizem) ou da primeira vez (Otto anda cantando por aí que "da primeira vez dói...". Dói?

Leão no cio
Da leoa
Filho no colo
Da mãe
Homem no centro
Da Terra
Tudo no meio
Das Coisas
Bico na boca
Do peito dela
Vela, revela do bicho
A fera
Fere, lateja e corteja
A bela

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Fada Bêbada, muito prazer!!!!!

As coisas não são exatamente perfeitas. Aqui no blog também não e, depois de uma semana sem muito assunto, inspiração ou tempo para escrever uma linha que fosse, resolvi abrir espaço para a Fada Bêbada. Ela está sempre por perto, insistente, cheia de opinião, muito embora hoje vá só se apresentar. Então, sempre que eu não puder, não quiser ou não conseguir...ela ocupará o espaço. Espero com isso não perder os poucos leitores que venho atraindo com insistência e muita divulgação do blog!!! Com a palavra...A Fada Bêbada.

Abro mão de alcunhas, inclusive a de Fada  Bêbada...Mas por insistência da galera, respondo como tal. Porque apelido é como cachorro: só pega quem tem medo. As pessoas não se conformam quando alguém persegue a perfeição e consegue chegar perto dela. Mas é sem qualquer pretensão que reconheço o motivo desta alcunha infame. Fada porque eu poderia, tranquilamente, representar a mulher moderna e suas aspirações e conquistas. Tenho minha independência e realização profissional, aliás, comando uma equipe quase toda formada por homens e consegui prestígio na minha área desde muito cedo. Digamos que eu soube aproveitar as oportunidades que cavei! Sou bonita sim, obrigada e sei que meu papo convence. Além de que sou divertida sem ser extravagante. Sou a filhinha querida dos meus pais, a amiga de todas as horas dos meus amigos de longas datas e a melhor dona que minha iguana poderia ter! Fada porque tenho mãos encantadas para fazer "comidinhas para depois do amor" e fada porque choro toda vez que ouço As Time Goes Bye ou The Sound of the Music. E porque sei que serei uma mãe adorável tão logo meu processo de adoção esteja concluso. Bêbada porque, ao som de Miles Davis, afogo, literalmente, minhas mágoas em banheiras redondas das suítes masters dos motéis. Só eu e uma Absolut. É, e daí? Perfeição maior talvez  fosse um Logan 18 anos, mas dos escoceses me bastam as saias! Bêbada porque de dez palavras que brado, onze são de baixo calão nessas horas etílicas... E bêbada, sobretudo, porque até para uma fada estar só é foda!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

“Tempo de Travessia”

Eis que a poesia se abre em verso... toda prosa!!!

Fiquem calmos que não vou postar aqui poesia para a felicidade da maioria. Só estou ainda na vibe da capa de aniversário da Playboy com a Cléo Pires tatuada em rena pelos versos de Fernando Pessoa.

Lá estou eu pegando meu jornal, aqui na banca da frente, quando chegam duas jovens. A mais novinha era a típica colegial, com espinhas em franca erupção pelo rosto e rabo de cavalo. A menos jovem apertava uma apostila de preparação para concurso público contra os peitos, como se quisesse fazê-los acompanhar o volume dos da Cléo, que ambas olhavam e comentavam na Playboy exposta : “Meu primo disse que o poema é de Fernando Pessoa e fala em tirar a roupa...”

Pois eis que dentre tantos heterônimos, Pessoa devia ter um punheteiro de plantão, ainda desconhecido pelo grande público, que ao invés de ficar divagando sobre tempos de travessia, certamente devia saber dar bons conselhos de como passar em concursos públicos concorridíssimos, em que trezentas pessoas disputam uma vaga ou como ser um funcionário público exemplar, coisa que ele certamente tentou ser não muito bem sucedidamente! Este mesmo heterônimo deve ter escrito o protótipo de um blog de auto-ajuda que nos fizesse mais conformados e enformados na nossa busca incessante por uma tão propagada estabilidade em plena dita pós-modernidade caótica...

Se Pessoa despiu a Cléo ou se a Cléo vestiu Pessoa pouco importa! O primo da moça já disse que ele, com muita propriedade, mandou-a tirar a roupa! Então, que se abra o poema ou quem quiser que tatue outro!

domingo, 15 de agosto de 2010

W.C feminino

Mulheres fingem que não fingem e tanto fingem que fingem não fazer xixi em pé, esta que seria uma diferença significativa se estivéssemos tratando de divergências entre o modus operandi dos sistemas excretores feminino e masculino. Para a sorte da ciência e dos leitores, nossa discussão é bem mais sutil ou tão mais profunda que não valeria a pena chegar ao fundo do poço ou do fosso!

Feitas as preliminares e, sem trazer desta palavra qualquer duplo sentido, travaremos apenas mais uma conversa de mulher para mulheres - e homens, não necessariamente nesta ordem.

Homens constroem personagens femininas na tentativa de devassar seus interiores com uma propriedade de criador à sua criatura ou na busca por sentir, quem sabe, o contorcionismo das entranhas, o inchaço do ventre ou, quiçá, cólicas, que não meramente intestinais ou menstruais, mas cólicas de ira, de paúra, de doçura em excesso. Quantas Anas, Bárbaras e Helenas, quantas pequenas tecidas e vestidas! E quantas fulanas e beltranas que não tiveram sequer nome ou sobrenome, mas renomaram a sensibilidade de seus feitores!

Eles fazem belas cenas. Elas fingem orgasmos. Eles fingem o texto e o cenário. Elas vestem os papéis e reluzem-se no palco para o regozijo do público que finge acreditar.

Entender o universo feminino ganhou status artístico-filosófico, matiz de elevada sensibilidade. Algo como enxergar com o olho do fraco, tornando inevitavelmente digno o “enxergador”. A qüididade do movimento reside, pois, no barqueiro que, em seu barco, vê a margem passar, ou na margem por onde passa o barqueiro¿ A ontologia do universo feminino, do olhar de Monalisa às balzaquianas, traz um elemento quase transcendental à condição humana: a investigação do feminino por seus famintos olhos masculinos. Um espelho sem aço, confrontando resignado o homem à sua imagem dessemelhante.

Homens são desbravadores desde quando mulheres são observadoras de suas crias e cultivos. Então eles continuarão abrindo nossos armários, vestindo nossas roupas, escrevendo nossos diários com nossa caligrafia quase roubada. Continuarão adentrando nossos corpos em busca de nossas almas ou do famigerado ponto G, continuarão a nos bolinar na cadência certa, ou quase certa, de arrancar-nos o fremir. E nós continuaremos a fingir que fazemos xixi sentadas nos assentos dos shoppings, em que saímos à venda de nossas almas. Permitimos-lhes a crença do privilégio de fazerem xixi em pé. Afinal, eles nunca se lembrarão de perscrutar os banheiros femininos, onde deixamos silenciosos nossos dejetos. Enquanto eles estiverem ocupados em vasculhar-nos os medos e as nóias, o chão do banheiro poderá continuar salpicado de nós.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Refluxos de saudade

Outro dia voltava eu pra casa no ônibus e duas moças à minha frente trocavam lá suas confidências de banheiro feminino que também se trocam fora dos banheiros femininos. A da esquerda, que tinha um ar mais abatido,melancólico talvez, falou três vezes num fulano. Mas ela falava como quem queria aproveitar cada sílaba que lançava ao vento, como se soletrasse chocolate, ou qualquer coisa doce que o valha! E ela se lastimava que ele não a telefonara mais. Neste ponto a conversa me desinteressou ou foi o sono que começou a me tomar... Mas ela insistia na história tão mais alto que o barulho ambiente do ônibus, que fui forçada a continuar ouvindo. E nada que ela tenha contado me tocou mais que o brilhinho nos olhos que ela irradiava quando ia pormenorizando as canastrices  de sedutor barato do tal fulano. Até que ela finalizou, antes que a outra saltasse no ponto " já tem mais de um mês que não o vejo. O que é que se faz com a saudade?..." Então, despediram-se as duas e seguimos viagem: uma meia dúzia de passageiros, eu, a moça da esquerda à minha frente e sua saudade enorme.
Ah, moça da esquerda, a da direita saltou e não lhe respondeu, mas saudade é coisa para se não ter... como se não pode guardar na gaveta um caqui viçoso sem que se lhe tome o bolor. Abocanhada a fruta, lambuze-se, farte-se, digira-a, empanturre-se até. Regurgitá-la : Jamais!