terça-feira, 23 de abril de 2013

entrevista com a FB sobre o fim do blog


A Fada Bêbada(FB) recebeu, muito gentilmente, nossa equipe do CausosFortuitos (CF) na varanda de sua casa, cercada por sua dúzia de gatos, meia dúzia de cachorros e mais uma porção de bichinhos exóticos que merecem que pulemos apresentações.   E entre uma golada num chá de maçã e uma pitada numa cigarrilha de bali, nos cedeu esta entrevista de fim de temporada (?!?), ou fim de blog, por assim dizer.
CF – A primeira pergunta, que não poderia ser outra, FB, por que finalizar o blog?
FB – ‘Finalizar’ é uma palavra muito pesada para contermos na boca até podermos articulá-la com perfeição. Não conhecemos o fim. Então não tentemos sustentá-lo na boca.
CF -  então poderíamos falar num fim de 1ª temporada ou mesmo, quem sabe, aguardarmos uma publicação futura?
FB – Não vamos ensaiar as entrevistas divertidamente burras e mal-comportadas em que o entrevistador insiste ferrenhamente num pseudo-ponto controverso passemos à segunda pergunta!
CF – Já passamos!!!  Como você resumiria o blog até aqui, FB?
FB – Não é para ser resumido. É para ser lido, por quem queira ler! Já bastam as divulgações esquartejadas da nossa divulgadora nas redes sociais a fim de conquistar leitores. Não acredito na falácia de que se conquiste leitores através de divulgação através de fotos bonitas, material pornográfico ou por redução de caracteres das crônicas publicadas para caberem nas redes sociais. Se é para não nos delongarmos, tuitemos pois!!!
CF -  Mas te interessa ser lida...
FB – Se meus ‘causos fortuitos’ não forem lidos, serão vivdos pelas fadas bêbadas, pelas mariposas sóbrias, pelas andorinhas silenciosas... Na estação do metrô, no inferninho da Lapa, na fila do cinema, na vernissage, na esquina, na xepa.. Porque “nós não somos os criadores de nossas ideias, mas apenas seus porta-vozes; são elas que nos dão forma... e cada um de nós carrega a tocha que no fim do caminho outro levará”, fazendo minhas as palavras de Goethe.
CF – E o reconhecimento pelo que foi escrito?
FB – Depois que um texto é escrito, seja ele bom ou ruim, pode borboletear por ai... vira bichinho de luz nos olhos de quem leu ... ou simplesmente não vira coisa alguma porque não foi lido por olho nenhum. Não veio pra luz, não existiu!
CF -  Mas na última postagem, o eu lírico era masculino, correto? E nossa divulgadora no face book falou numa possível mudança da Fada Bêbada no ‘duende sóbrio’, ‘gnomo ébrio’. Isto procede? O Causos Fortuitos passará por uma transsexualização?
FB – Não passará porque detectar características de gênero é falar sobre o humano e a FB é o humano. O humano que se apaixona ou que simplesmente padece porque não se apaixona e acorda, escova os dentes, toma café, trabalha, volta pra casa, deita e dorme. Ou não dorme, vara madrugada, fala bobagens, abre a porta e sai no meio da tempestade e cai resfriado de medo e felicidade. O eu lírico do último texto era um moço de trinta e poucos anos que se queixava de uma dor no peito porque só tinha um coração para tanto amor ;  e era uma amiga, de mesma idade, que me confidencia seus amores, desde sua primeira juventude. São estes os nós líricos do texto: homens e mulheres que são afetados, que se deixam afetar pelo mundo pelas pessoas, pela ‘dor e delícia’ de ser o que se é (só pra não perder o clichê).  Talvez a ‘nova temporada’ seja perfilada pela ‘bruxa tonta’ ou pelo ‘mago gay’, ou pela ‘ninfa alegre’... Não importa como você nomeie as coisas. Elas virão e só o que vale é como elas te afetarão. Na idade média, ‘a bruxa tonta’ seria queimada, então importava saber que era bruxa. E, a cada dia, é importante a ousadia de se dizer ‘o rapaz tonto’,’a moça feliz’, ‘a lésbica linda’ ou a ‘fada bêbada’... e espreitar para ver se, além das fogueiras que ainda queimam, acendem-se as luzes sóbrias do dia que iluminem apenas o que se sente, não quem ou como se sente!
CF – FB, boa sorte no seu novo caminho... que haja mais luzes e menos fogueiras medievais, que haja mais causos pra contar e menos casos criados..
FB -  e que haja chopp, cerveja, espumante, cachaça, gim... até perfume que seja!!! Porque a seco, minha filha.... nem ‘abstêmio contumaz’!! tim tim!!!
CF –Tim tim!!!

segunda-feira, 22 de abril de 2013

um conto que não é de fadas

Se não é o fim do mundo, certamente que será o fim aqui do blog. Hoje o 'causo', que não é de fadas, é sobre o coração doído de um moço que amava demais... e, quem sabe amanhã o blog passe a tratar do 'gnomo sóbrio', do 'pirimlampo alegrinho' ou do 'grilo intoxicado'..?  Enfim... que venham as novas!!! 

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O que lhe doía não eram os amores, mas o único coração que tinha. Haja sístole e diástole!! Seu coração era uma bolinha de pinball, sua vida amorosa um enorme fliperama. Não, Playstation é coisa de uma geração que não lhe dizia respeito. Era tão à moda antiga, que até carta manuscrita mandava para a amada.

Amava como se a vida fosse acabar. Então sobrava amor, faltava tempo pra semear, maturar, colher... Acabava colhendo amores verdes, deixando que apodrecessem no pé ou se esbaldando de fruta bichada em beira de estrada. Sim, porque amor também tem um tempo. O dele era todo atravessado e quem sofria era o bobo do coração de sobe-desce-empurra e puxa.

Amava a quase infante de quem roubava a inocência e amava a moça branca de boca vermelha e coxas grossas. Amava a ex da interminável juventude, sempre que lhe chamava com voz de encanta-pescador e amava o amor que a vizinha da frente lhe devotava tão docemente...

Bolinha pra esquerda, pra cima, e direita alta, e volta pra cima, e desce... e cai... exaurido no sofá  velho da sala vazia. Coração dói e ele era um homem pequeno. Ao longo de trinta e poucos anos um coração só é muito pouco pra amor demais.  Ou arrumava outro ou fazia o seu único bater num ritmo só.

Mas o dele não aprendia, então começava a cantar bem baixinho pra não despertar a madrugada, que ressonava tranquila no quente dos lençóis. Porque madrugada quando acorda vira boemia que revira a noite, que vira dia... E o coração-bolinha que de bobo doía, vira  violão, senta no canto e então chora.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Manifesto do Partido dos Socialistas do Amor


Para que o adjetivo promíscuo perca sua conotação pejorativa; para que pessoas que tenham disposição e competência de desenvolver várias relações afetivas simultâneas deixem de ser hostilizadas como calhordas ou insensíveis e para, finalmente, lutarmos pela dignidade da pessoa humana, sem conceitos ou preconceitos discriminatórios, conclamando nossos parceiros do mundo inteiro à Primeira Convenção Mundial do PSA (Partido dos Socialistas do Amor), divulgando nosso sucinto manifesto com seus breves desmandamentos:

1)   Nosso partido pertence a todos que dele se apropriem e nasce da ruptura com padrões patrimonialistas, que durante séculos, submeteram e submetem o amor e o desejo ao legado da propriedade, então partiu PSA!!!
 
2) O partido não tece divergências metafisico-filosóficas sobre sexo, amor ou semelhantes formas de afetos.


3 )  O PSA  não propõe nenhuma inovação ou revolução, apenas liberta o ser humano para amar sem quês, porquês ou pra quês;

4)   A história da sociedade até hoje é a história de luta do sexo ou pelo sexo, pois que venha o clichê do menos luta e mais sexo sim!!

       5)   Os amantes não têm pátria e a única língua admitida universalmente o   beijo;

6)   Os amantes não têm nada a perder, se não os seus próprios grilhões e os alheios;

E por fim a nossa máxima:

7)      Em lugar da velha sociedade estanque, com papéis previamente definidos e representados, surge uma associação na qual o livre envolvimento de cada um é a condição para o livre envolvimento de todos!!!
 
Rio de Janeiro, 10 de abril de 2013,
 
Fada Bêbada (autonomeada presidente integrante do PSA)

domingo, 17 de março de 2013

A moça das quintas-feiras

Quando se viu apaixonada, perdeu as horas dos dias e quase todos os dias da semana em besteiras românticas. Menos a quinta-feira, porque era nas quintas-feiras que ele a procurava e queria vê-la, e era todo disposição e disponibilidades. Então, na quinta ela estava a postos, a espera pelo chamado que na certa viria. E vinha! Vinha sempre... E quando era dia de lua, então a quinta era ainda mais cheia e seu riso ainda mais escancarado. Ela, a moça das quintas-feiras!!!

Mas eis que vinha a sexta e ela se punha a lembrar da quinta para continuara a sorrir, vinha o sábado e seu riso se perdia mais. No domingo não tinha riso, na segunda não tinha boca. Na terça então nem moça tinha. A quarta vinha e ela lembrava de existir pra, logo, a quinta poder chegar. Quando era quinta-feira ida e ela chamava pelo nome perdido do seu amado, ele respondia de longe, com um bilhete trazido pelo vento : “beijos , beijos de boa semana, bela moça da quinta”

E como tudo tardava a virar quinta e toda quinta se apressava em já ser sexta, ela passou uma semana inteira pensando... até encontrar o que julgou ser a solução perfeita para o seu descompasso sentimental. Como era muito amiga do deus tempo, pediu-lhe para que todos os dias da semana fossem então quintas-feiras, assim não teria que esperar seu amado voltar já que ele não teria mais de partir.

E assim foi feito. Segunda virou quinta; terça, quinta; quarta também; sexta igualmente; sábado, do mesmo modo e domingo quintafeirou-se de vez. A moça, então, muito satisfeita, não tardou esperando o amado e sabia que seria a última vez que ele chegaria. Só não contava que seria também a última em que partiria. E, tão logo, a primeira quinta se punha, o rapaz beijou-lhe a fronte e falou-lhe logo “beijos, beijos de boas quintas-feiras” e assim lançou-se no vento para nunca mais.

sábado, 2 de março de 2013

O ciúme


Porque, afinal, acreditava que a evolução fosse o caminho perseguido e inevitável, tratou de minar o ciúme doentio de tudo a que se afeiçoava - e até do que não, mas, que por alguma razão insólita, dava-lhe algum prazer.

Evoluiu tanto que não tinha mais ciúmes dos amigos, nem do noivo, nem do chefe da repartição. Sim, porque ela costumava ter crises de ciúmes avassaladoras do chefe quando algum colega se destacava mais  que sua habitual eficiência.  Mas já ia longe o tempo em que primos e sobrinhos, namorados e até vizinhos mais próximos lhe tiravam o sono e o pouco juízo.

E quando já não sentia há muito o gosto amargo do bichinho impertinente do ciúme, dedicou-se mesmo ao amor livre... afinal, o lance não era dividir amor, mas multiplicar afetos e experimentos, e gostos, e gozos...

Até que, convicta de seu alto grau evolutivo, começou a se perguntar se seria capaz de sentir ciúmes do que quer que fosse... Era tão mesquinho... Foram tantos anos de desapego e sublimação da posse em nome de um hedonismo heroico e convincente, que todo o resto lhe era agora estranho.

E amor livre vai, amor livre vem... eis que se depara com alguém um pouco mais desapegado que seu desapego e ainda mais fluido que sua fluidez... e foi por água abaixo toda a malemolência, toda o comedimento de sua sensatez... E sob a benção de Hera, Otello, D. José, Dom Casmurro e todo a legião de possessos afins, lançou sua flecha preta e, garganta furada, morreu. Morreu como ato único e último de toda perfeita evolução.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Bom dia , alegria!!


Era ouvir Piazzolla e começar a sentir peito piando, garganta apertando seca...  porque seu tango era triste, igual a seu riso fantasiado de alegria. A boca arregaçada era a dor de sua dor e o resto era música sofrível que arrancava do violão velho em desafinos. E o resto do resto era a lágrima seca nos poros abertos da cara fria.

Tudo aquilo era a falta que sobrava do amor que nunca houve - nem pra chegar, nem pra dizer adeus. Simplesmente não houve. Não ouviu seus gritos ou cicios.

E o tango tinha um soluço preso, uma urgência. Poderia ter uma dança, um movimento... mas o dela era guardado e fremia tudo da pele pra dentro. Nem sofria porque sofrer é, de alguma forma, pulsar e ela só conseguia implodir do amor que não ama, do choro que não sai, da mãe que não ganha nem perde seus filhos, da dor que não chega, nem fica pra ir embora.

Então quando a música acabava, ela fechava os olhos para ouvir menos a falta de voz na sala e para sentir menos frio, mas era sempre o contrário. Neste instante até o barulho longínquo do som desses velhos e enormes edifícios era abafada e entorpecida por um sono denso e contínuo.

No outro dia normalmente se atrasava. Esquecia o aparelho de som ligado em stand by com o Cd dentro, engolia um café preto dormido e descia calçando o sapato no corredor, vestindo o tallieur  na portaria  e só ajeitando os óculos enquanto cumprimentava o porteiro e a senhora do 101 com o sorriso simpático e solícito de todo o dia. E antes de voltar para buscar a chave do carro esquecida embaixo de alguma almofada, esquecia propositadamente o sorriso raso no rosto magro e ossudo de dentes amarelos, grandes e abertos.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Brincadeira de menina


Era uma boneca de pano, cujos olhos, boca, cilhos, tudo era pintado à mão. Antes de bonita, curiosa. Antes de ser a preferida era ‘a imprescindível’. Não por ser a mocinha das histórias, mas sim personagem coadjuvante permanente. Afinal, as mocinhas eram substituídas sempre que chegava uma boneca nova... então ela podia ser má, podia ser péssima, podia nem ser nada, mas estava sempre lá. Sem tempo, sem moda. Seu vestido preto de pequenas bolinhas brancas com um laçarote vermelho na fina cintura era costurado no próprio corpo, então só as Barbies variavam seus guarda roupas. As recém-chegadas das lojas seriam as donas dos modelitos mais transados. As mais velhas usavam qualquer trapo velho e seriam sempre as empregadas domésticas, as figurantes, as invisíveis...Não sei as brincadeiras de adultos, mas as de crianças, não raro, costumam ser maquetes minuciosas da realidade. Duplos sinceros, principalmente quando se tem seis, sete, oito anos...

Era a boneca que podia roubar os namorados das mocinhas porque  não amava, não tinha par, nem trilha sonora, nem final feliz. Mas sempre tinha uma aventura interessante com o galã da vez. Há época de sua infância as telenovelas apresentavam, ainda menos, amores lésbicos, e só por isso, a boneca de pano também não teve experiências afetivas mais diversificadas.

Claro que ela deu um nome à boneca... Normalmente Natália. Igual à Natália do Vale - a atriz mais bonita que via na TV. No fundo...era só uma espécie de codinome, nome de personagem... Houve outros, mas Natália ficou sendo usado até que pudesse descobrir seu nome secreto, quando então poderia chama-la e se fazer escutar. Sim, porque ela devia ter um nome verdadeiro. Algum que lhe caísse feito uma luva, que lhe identificasse sobre todos os outros e que não podia ser trocado, assim como seu vestido preto de bolinhas brancas e laçarote vermelho na fina cintura. Um que fosse rosto e não persona.

            Natália tinha cabelos de lã marrom, que ela ia cortando sempre que dava na telha. Um dia tornou-a para sempre chanel , mesmo quando não sabia que Chanel era nome de mulher.

Natália nunca teve roteiro. Ou nunca o seguiu. Compunha o núcleo de improviso de suas brincadeiras. Estava lá entre as Barbies, Susies, Kens, Bobs e os Falcons do irmão; entre os bichos de pelúcia que compunham o set das brincadeiras de escolinha em que era a professora; entre o público figurante dos programas de auditório que  apresentava... E quando não houve mais brincadeiras, Natália ainda estava lá. Com a costura do pescoço meio puída, um encardido no branco da pele e as outras cores todas desmaiadas.

Natália não teve início porque lembrava-se dela desde quando se entendeu por gente. Feita pelas mãos talentosas de sua mãe, não havia outra igual no mundo! Também não teve fim porque jamais se desfaria da boneca desengonçada e onipresente.  A boneca que viveu todas as vidas que ela quis e não quis ter.

Não, Natália não sumiu. Saiu pra comprar cigarros e, como não fumava, nunca mais voltou. Embriagou-se dos anos todos que vieram, embebedou-se nas vidas todas de sua única vida de Fada Bêbada. E a menina esteve sempre certa. Agora podia chama-la e fazê-la aparecer: - Fada Bêbada!