segunda-feira, 30 de abril de 2012

Pés e orelhas frias e uma porção de truques inócuos


Estou bem acoplada aqui no dorso da minha noite fria, com um allegreto do Concerto Brandemburgues para esquentar os pés dos ouvidos e eis que me chega a Fada Bêbada com uma garrafa de um tinto italiano para me lembrar que noites assim são boas para esquentar a pele em outra pele. Que noites assim são boas para esquecer os modos, os medos ou que seja requentar paixões.
Tomo-lhe a garrafa nas mãos e sirvo-lhe um pouco do meu café com amarula e um pouco de Bach. Também aquece os pés, Fada Bêbada! E se não desperta leões, embala um pequeno e companheiro gato em sono tranquilo e profundo.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Abraço de cobra

Fada bêbada, esquece que cobras não tem braços para lhe devolver abraços?  Mas você é teimosa! Diz que não precisa de abraços devolvidos, que abraça porque quer. Pois bem, abrace-se à suas cobras então e aguarde que seus próprios  braços envolvam, primeiro a elas, de braços ausentes, e, por fim, amarrem-lhe num laço de consolo ou dó talvez.
É bem isso que você quer, eu sei.  Prefere não esperar o acalanto de quem quer que seja e abraçar a quem já sabe , de antemão, que não lhe voltará recíproca alguma! É fácil querer bem assim, Fada Bêbada! É fácil abraçar-se a si!
Ah, claro, você também abraça lontras e modestos obeliscos... uma gama de afetos!

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A cor do sofá da sala de livros

Ela ficou imaginando qual seria a cor do sofá da sala em que ele sempre adormecia com o computador ligado ou lendo algum texto não tão interessante. Normalmente esses sofás costumam ser desconfortáveis, porque, afinal, não se trata de uma sala de sofás. E esta que seria a peça mais desnecessária, ganha status de imprescindibilidade.
Lembrou-se do sofá preto em que seu filho adolescente teimava em dormitar antes de ir para a cama . Lá, mesmo a contragosto seu, ele podia enrolar a madrugada inteira antes de tomar banho e trocá-lo pela cama e pelo pijama. Lembrou-se do pai que, até hoje, amanhecia no sofá lilás do meio da sala e lá permanecia para não ouvir as lamúrias de sua velha mãe.
Havia o sofá do porão do vizinho que ela visitou várias vezes em sua longínqua juventude e já quase não se lembrava disso! Era a prova inconteste de que ninguém precisa de uma cama para conhecer todos os meandros do prazer.  Nunca um sofá velho e empoeirado imaginaria ser tão explorado!  E tinha o sofá novo do amigo de infância que ela queimou com o ferro de passar roupas nas últimas férias que passou em Cuiabá. Riu-se lembrando do sofá que viu a vizinha despachar porque estava trabalhado pela sogra.... E o sofá de sua sala, cheio de seus gatos! Leco, Neco, Teco e Beco que ali deitavam e ronronavam o dia inteiro impávidos...
Criou um verdadeiro desfile mental de sofás para não se permitir pensar que ele dormia no sofá da sala do computador para, inconscientemente,  retardar a hora de ir para a cama, onde a mulher incansavelmente o esperava...  E ai o sofá era verde, da cor de tudo o que brota e medra e espera o dia nascer. Então lembrava que não! Que devia ser um sofá marrom-desbotado mesmo,  em que ele se deixava cair de cansaço  na esperar da mulher linda e perfumada que nunca terminava seus relatórios diários antes das duas da madrugada! 

sábado, 14 de abril de 2012

Enquanto seu lobo não vem

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Tem tempos que ela some mesmo. Sabe-se lá por onde anda. Da última vez que a vi, andava com ares... sabáticos e uns franzidos de testa muito cheios de metafísica. Ficou chateadíssima, quando lhe disse que passasse a dormir e acordar mais cedo, que esses grilinhos encucadores madrugueiros logo desapareceriam  e que Deus ajuda quem cedo madruga ...  Disse que a deixasse com seus burburinhos de cigarra e fosse viver minha vida  de formiguinha feliz. Soltou mais uns dois despautérios e mandou-me categoricamente à merda!
Enquanto colaboradora deste blog, estive tentando convencê-la a postar utilidades, afinal, é assim que os blogs se difundem, ganham seguidores... são lidos, enfim! Agora há pouco ouvia na TV a entrevista de uma blogueira que divulgou no seu blog um site de onde comprar bolsas falsificadas, não piratas, mas cópias perfeitas! Disse que o site vende até o papel de embrulho pirata, digo, papel-cópia! Um outro, que descobri semana passada, garantia descobrir o dia do casamento do leitor ou leitora.  Eu também podia dar dicas aqui de como eliminar as bolas de pelos engolidas pelos gatos, indicar quais as melhores rações.... Até Burroughs dedicou um livro inteirinho para falar sobre os bichanos! Mas podíamos dar dicas de culinária, ou fazer crítica de arte... nem é difícil! O Google ajuda sensivelmente. Hoje mesmo é o centésimo aniversário do Robert Doisneau... aquele daquela foto preto e branco do casal se beijando... então! Ainda tiraríamos onda de intelectuais. Mas pra que? Ela prefere falar que as mulheres também conseguem fazer xixi em pé ,  prefere fazer voz de atriz- loucutora e contar causos de ninguém ou gravar umas músicas mal gravadas também pra ninguém, postar o link e depois ficar frustrada porque contou quantas vezes foram ouvidas no youtube e só tinham lá as duas vezes que ela mesma entrou pra conferir se ficou legal...
É, portanto, uma parceria complicada. Digamos... inflamável. Mas ela que apareça e se defenda. Por hora são só comentários da nossa relação que não anda muito bem das pernas.  E antes que ela apareça e poste sobre os sonhos expressionistas que  anda tendo ou fale das alpercatas da mulher de dois metros que  encontrou no metrô, registro desde logo meu descontentamento de formiguinha. Acho que a Fada Bêbada precisa de ainda algumas sessões que podem ser de psicanálise ... mas aulas de boxe também poderiam ajudá-la.... Essa coisa de não ter um pinto sempre foi um nó górdio pra ela. A fase oral ela não superou também, nem um complexo de Eléctra mal solucionado seríssimo... Mas ela prefere escrever contos quase eróticos  e atribuir suas perversões sexuais a uma libido de super fêmea!!!
Então, brindemos às nossas inutilidades públicas... pelo menos enquanto seu lobo não vem!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Lua no cio


Estava a um palmo da lua em sua janela, quando entrou de rompante no quarto meio desamparada e inteiramente aflita. Estavam tão próximas, que, por um átimo pensou que ou se desgarrava naquele exato momento, ou não o faria nunca mais! Então estaria presa para sempre em sua amarelidão de lua baixa.

Que moça boba!!! Fechou a janela achando que estava livre... E do lado de dentro via ainda mais clara a lua que não via fora.

Então fechou os olhos... e mais uma vez, lá estava... cheia e brincante a dona dos seus olhos e janelas cerrados e de seu desejo contido.

Acendeu uma vela, se não para seu anjo da guarda, para fazer fagulha e distrair seus olhos de moça aluada! Quem sabe a chama fogosa fazia a noite passar em claro? Porque tinha medo de dormir e sonhar que toda vez que a lua crescia era para mostrar pra todo o mundo que ela estava nua e no cio, largada no céu.

Senhora

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Talvez eu não seja a hora de ninguém

Dormir e acordar é muito chato

Queria sumir aos vinte e quatro

E aos vinte e cinco

Falar de mim aos desafetos



Aquela hora que passa

E que por sessenta minutos

Você pensa lhe pertencer de alguma forma

Não sou eu



Eu nem sou minhas horas

Quando elas vêm

Já foram



Minhas horas são relógios quebrados

Que quebrei por raiva do barulho



Nem amores

Nem baladas

Nem horas

Uma tuia de dias e meio-dias

Com sol forte na cabeça



Eu queria ser o amigo do anjo

Para andarmos juntos nos inferninhos



Mas sou o mármore secular

E a cara doída da Pietá

Doida a Pietá

Senhora sem tempo

Sem hora


quarta-feira, 4 de abril de 2012

Safo e o mito do fauno


Andava sempre atenta a possível aparição de um tal sátiro que há tempos lhe aparecera em sonho. Um sátiro, de pés de cordeiro, ombros de estivador e olhar psicodélico de quem pode ensandecer a qualquer momento. Apresentavam-lhe moços direitos, trabalhadores, de moral ilibada... e acreditava que descobriria faunos aprisionados sob tão renitentes virtudes. Conhecia-os um pouco mais... e confirmava que eram, sim, moços muito bem centrados em sua sanidade cotidiana e fecunda. Então se desinteressava e ia cuidar de suas alfacinhas. Eram as meninas dos seus olhos!
E se lhe perguntavam por que um sátiro, ela ria. Ria-se de si, mas não desistia de seu encantador. Dizia que ele tinha música, que sabia desfolhar realidades e conseguiria desnudá-la com um único sopro.  E se falavam que estava louca, ai sim se sentia em casa, afinal, era na falta de esteios que poderia esbarrar-se com seu fauno encantador de poetisas.
Ela virava os copos dos homens e não encontrava nada do que procurava dentro deles além do cheiro de álcool ou do gelo derretido. Tragava as guimbas apagadas nos cinzeiros alheios e continuava vestida com as segundas, terças ou quartas-feiras que lhe tatuavam a pele. Também o sábado e o domingo cobriam suas vergonhas da mesma digna e pudica veste. Ela só queria tê-las arrancadas ou rasgadas pelos caninos de um homem mau.
Chafurdava-se nos corpos dos homens e não encontrava nada senão peles e pelos obedientes a uma humanidade óbvia e incapaz de fazer-se barro ou voltar ao pó.
Errou desastrosamente na premissa de que seria mais fácil encontrar o homem errado que buscar o certo! Mas que ninguém a acusasse de idealista contumaz, afinal, não buscava a perfeição... só esperava o desgarrado, o sorrateiro, o descabido. E vejam só!  Ainda ia ter de escrever muita poesia, engolir muita madrugada a seco e amar muitas mulheres... até que Afrodite dotasse um fauno de encanto o bastante para lhe entorpecer algures.


domingo, 1 de abril de 2012

Pela estrada a fora - On the Road


          Sempre nutriu uma identidade desvelada com piratas, ciganos andantes, marinheiros, mambembes e afins...  Um dia comprou uma moto, fez caber um enorme guarda-chuva na mochila... e saiu cantando pela estrada a fora:
     -    “I can't carry you, Baby. Gonna carry somebody else...” On the road again