sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Velho Ano Novo

      Um ano que acaba mais uma vez tão corrido, tão fugidio... A mesma sucessão de dias e meses se dará como em todos os anos, mas o fascínio pelo novo é sempre instigante. O ovo sempre encanta a galinha. A volta ao começo, o mito da cosmogonia...A novidade, enfim!
Essa troca teimosa do velho pelo novo me lembra a história de uma vizinha de quem me tornei confidente anos atrás. Não, desta vez não é a Fada Bêbada, nem a moça do metrô, nem uma amiga. Era só a vizinha que me contava suas aventuras e desventuras. Sendo meio Bela da Tarde, meio Dama do Lotação, era casada e apaixonada pelo marido, mas não se continha nos confins de seu bem sucedido casamento e inventava affairs ardentes e incontroláveis. Enamorava-se por no máximo dois meses e desapaixonava-se, partindo para uma nova história. Embriagava-se do sumo até o que ela acreditava ser o bagaço e partia em busca de fruta madura e suculenta à deriva. Ocorre que uma das suas paixonites a estava comendo pelos tornozelos – não conheço esta expressão, mas devia ser mais ou menos essa a sensação da moça. Um mês de flertes acintosos se passara e nada dela sentir o gosto da tal fruta... Ela contava da boca carnuda, das mãos grandes, dos cabelos esvoaçantes e do olhar profundo e meio triste. Empolgava-se ainda mais e falava da pele muito bronzeada, dos cabelos queimados de sol e de um ar de bicho sem dono... Como nunca tive a oportunidade de conhecer nenhum de seus amigos apetitosos, a impressão que tenho é que sempre se tratava do mesmo rapaz... sempre cabeludo, sempre com olhos negros perscrutadores, sempre com jeito de cigano. Invariavelmente ela gostava de um perfil masculino atávico.
      Fato é que ela andava um tanto desequilibrada. Algo sempre dava errado e mais de dois meses iam-se em brancas nuvens, sem que ela o experimentasse afinal. Assim, ela se deu um prazo. Quinze dias e nem mais um segundo. Era dezembro e a época não muito propícia para casos fortuitos... Natal, confraternização com amigos, família, colegas de trabalho... Eis que o décimo quinto dia caiu no dia 31. A noite seria de brindes e espumas e como sempre, seu marido já tinha tudo muito bem programado.
      Foi então que ela superou suas fugas iníquas e dopou o esposo. No chá, no café... Não sei como o fez ingerir a tal droga, mas precisava que ele dormisse, afinal, haveria fogos, bombas de todos os sons, barulhos de boas vindas ao ano que vinha chegando, e, ademais, a Globo há tantas novelas ensina este feito às suas telespectadoras, que , certamente, de falta de criatividade para fazê-lo ingerir a tal droga ela não padeceu! Mas ele não dormia. Tentou uma primeira dose, uma segunda e meia... Até que, com os olhos vermelhos, ele cogitou cochilar antes de saírem para romper o ano. Quando a moça pensou que o tal calmante surtia efeito, o marido acendeu a luz e saltou para ela como um bicho voraz atrás de sua presa no cio.  Ela me garantiu que foi uma experiência selvagem, já que, apesar do enorme amor que nutria pelo digníssimo, era  raiva que a cegava naquela hora. Era tesão contido pelo outro, que àquela altura já a esperava desanimado. Teve muita, muita raiva do marido, que, inocente e inadvertidamente a possuía desavisado.
      Claro que depois de tanta energia gasta e sei lá quantas doses cavalares de algum calmante... Ele adormeceu e ela saiu. Descabelada, exausta e com sono. Já passava das quatro do ano seguinte.
     Disse que foi ter com o outro já cheirando a cidra e cigarro barato no quarto de hotel chinfrim onde marcaram antes do ano se acabar. Mas ela chegou tanto tempo depois, que até o ano novo já tinha cara de velho conhecido.
      Resultado: Teve de curar a  ressaca do tal rapaz de pele morena, a ressaca do marido, que só acordou de fato no segundo dia do ano e a dela própria, que, depois me confessou não ser a tal ressaca moral, mas sim ressaca de muito ano novo pra pouca novidade.
Não muito tempo depois, mudei-me do antigo endereço e a vizinha deve ter arranjado uma nova confidente para contar seus velhos mesmos casos!

domingo, 19 de dezembro de 2010

Amores Líquidos

Apropriando-me da idéia muito pertinente de Bauman, grito à Fada Bêbada que esses amores líquidos molham sim. Mas ela insiste que não e bate pé que se, por ventura, molhassem, as suítes que ela freqüenta têm secador de cabelo. Ela continua com essa mania de encher o peito pra dizer que está numa hidro espumante de motel, sozinha e trêbada...Vertendo-se, diluindo-se seca pra ninguém, como se só ela fosse a detentora da patente de estar sozinha num motel!
 Ela é a própria liquidez de que trata o dito sociólogo. Será que ele a conhece?
Ela diz que a espuma branca e quente é estimulante, que faz bem pra pele. E Freud até explicaria se ela deixasse, mas ela já o condenou inexoravelmente à grande fogueira desde que chamou clitóris de micropinto.
Cansei de tentar solidificá-la sobre qualquer base que não seja fluida. Ela quer continuar flutuante em suas espumas, escrava de uma poesia não licenciada, teimosa em seus amores diluídos e calada feito um túmulo. Se ao menos ela socializasse essas aventuras sexuais de que tanto se orgulha, eu teria histórias picantes para contar aqui. Mas não, fica do alto de sua banheira, pousando de garota propaganda de sabonete Lux – ou hidratente Monange, tentando acreditar que é o máximo porque inatingível por seus affairs. Um dia ela ainda se afoga de bêbada ou entra na banheira com o secador ligado... Enquanto não, eu tenho de aturar a simbologia da banheira que só ela não identifica como a panacéia de um corpo chafurdado em luxúrias de mentirinha.
Eu não sou moralista... Mas essa onda blasé há de desintegrá-la ralo a baixo

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Cão Vadio

Então no meio da zorra toda ela me sai gritando que paixão é um cão ladino e sem dono (quase um clichezão!). Mas era ela quem estava no cio. O cão dos infernos apenas respondia a seus apelos veementes. Ela era a dona do cão vadio e falava com tanta graça de seu descalabro que iluminava a sala e arredores. Se havia um quê de impaciência, devia ser uma espécie de tesão contido que lhe escorria pelos poros, mas ela parecia saber o que fazer com sua selvageria. Foi quando soltou uma gargalhada orgástica,  e disse, a seguir contendo o tom: “...mas eu sou tímida”.

Foto da net