sábado, 26 de novembro de 2011

Ogros de Jardim


       Não era à toa que ela gostava de Ets. ETs verdes, com olhos grandes -  e antenas de preferência! Os brancos não eram exatamente seu tipo. Esperar Ets era mais fácil que esperar sapos conversíveis em príncipes... Até porque ela não gostava de príncipes. Preferia os ogros.
       Ogros não convidam para jantar num primeiro encontro, vão direto ao ponto. Jantar pra que? Para ficar com a boca cheia, medindo palavras de efeito, trocando olhares lascivos... Coisa mais desagradável conhecer o sujeito e se lhe apresentar atrás de um cardápio... Pior ainda se a comida for boa... E tiver de dosar o apetite a fim de não espantar a presa (ou o predador)... E o suprassumo da inconveniência: Não dosar coisíssima alguma e partir para o ataque depois do jantar com refluxos por empanzinamento... Desagradabilíssimo! Então o primeiro requisito para descartar um candidato a príncipe era o funesto convite para jantar.
       Havia um quê na espontaneidade do desleixo que sempre a atraiu... Os olhares perdidos, os cabelos desgrenhados, a barba por fazer, um jeito de mar ou de qualquer coisa que chega e vai embora ou que nunca veio, nem talvez pretenda partir... Era um pouco isso que a encantava... Poder ser a Helena que não voltava, a Penélope que não ia...
       Então beijava latas e chutava sapos... E olhava de vez em quando pro céu esperando algum OVNI que, se não chegasse, mandaria chuva pras azaléias cultivadas pelos ogros do seu jardim!

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A medida do beijo


Já ia pela conta da quarta estação, desde que ela começara a contar! Aquilo não era mais um beijo... Era uma afronta hipnotizante para a moça do banco de trás que disfarçava o olhar pelo relógio, pousava-o na senhora gorda que imprimia um beliscão bem dado no possível neto irrequieto ao lado, então tornava a esbarrá-lo no casal acintoso à frente... Que, por um instante, parecia desgrudar os lábios...  Mas logo retomava ao estado de ósculo inercial, como se fosse a primeira ou última vez (de repente era mesmo!) ... Carioca, Glória, um solavanco no vagão – que na verdade não a faria balançar mais que o arroubo desmesurado do casalzinho da frente... Largo do Machado, uma espiada se alguma mensagem chegava ao celular, Flamengo... Mas ela era gorda. E ele era feio, tinha marcas de espinha mal cicatrizada na cara. Ela tinha peitos enormes, desproporcionais. Desproporcionais a quê? Decerto que não ao beijo. Botafogo, Cardeal Arco Verde... Então uma pausa. Quando eles se olharam a um palmo de distância ficou patente o quão zarolho ele era. Siqueira Campos, cabeça dela no ombro dele e só o deslizar barulhento do metrô. Novo olhar apaixonado e, antes que a moça de trás perdesse definitivamente sua estação de destino, o casal feio retomava o beijo.
Então, como não houvesse alternativa, senão saltar na última estação, fizeram-na todos: a gorda, o zarolho e a moça de trás. Claro que ela não os seguia, mas até chegarem ao final da estação, não precisaria passar-lhes à frente. Agora não importava mais, não haveria mais beijo para enrubescê-la. O casal feio seguia de mãos dadas e em silêncio sepulcral, não fosse a azáfama do fim de tarde, ao redor.
Quando o casal seguiu pela Sá Ferreira e a moça de trás ficou pra trás mesmo, encheu o peito e vangloriou-se ao final Eu sabia! O beijo não era longo. O papo é que nem era curto!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A antimoral da história

A asa quebrada da Fada deixou-a ainda mais ébria, à base de analgésicos e antibióticos e antiinflamatórios, anticoncepcionais, anti-tudo mais… E ela nem precisa de tanto para seus vôos rasantes… Pois muito bem, recebeu uma visita de um Guru numa tarde dessas, no que poderia ser um sonho ou surto psicótico e foi mais ou menos o que seguiu:
Guru (taciturno) – Você tem descuidado do seu lado espiritual….
FadaBêbada - …
Guru – … Asa quebrada, cama, guarda baixa…. humm…
Fada Bêbada – Outro dia eu sonhei que uma cigana linda, tipo a Carmen de Bizet, dançava e fumava e bebia… E eu lhe oferecia um hibisco vermelho…
Guru (reticente) –E você ofereceu o que ela pediu?
                                                 ….
Então, em confissão pública, veio me falar que, semana que vem, estará comemorando sua borboletice num barzinho próximo, fumando cigarrilha de canela, cigarro de palha e dando pra meio quarteirão porque, afinal, precisa ouvir mais as vozes ocultas da sabedoria.  E que essa coisa de canja e vôo rasante de galinha não tá dando muito pano pra manga não!!!
Um amigo em comum disse cauteloso – Cortem as asas dessa louca! Um outro catou o Google Maps no Iphone e perguntou o endereço do bar.
Moral da história, que não poderia ser outra… Cada um tem as asas, os gurus e os amigos que merece!!

sábado, 5 de novembro de 2011

Sem graça nenhuma

Um dia no Jardim do Paraíso, Eva diz a Deus:
- Senhor, tenho um problema.
-Qual é o problema, Eva?
-Senhor, sei que você me criou, me deu este lindo jardim e estes maravilhosos animais, até esta serpente engracadinha, mas nao me sinto feliz.
- Por que isso, Eva?
- Senhor, estou solitária e já nao aguento mais comer maçãs.
- Bem, Eva, acho que tenho a solução. Posso criar um homem para você.
- O que seria um "homem", Senhor?
- O homem é uma criatura defeituosa, com tendências agressivas, um ego gigantesco e incapaz de compreendê-la ou escutá-la. Ele vai, realmente, dar-lhe muito trabalho. Entretanto, será maior, mais rápido e terá mais músculos que você. Será muito bom para lutar, chutar uma bola e caçar ruminantes indefesos. Você pode usá-lo para seu prazer, para carregar pacotes, abrir a porta, trocar o pneu do carro e pagar suas contas.
- Parece ótimo - diz Eva, arqueando ironicamente a sobrancelha.
- Mas você só pode tê-lo com uma condição...
- Qual é a condição, Senhor?
- Você deve deixá-lo pensar que eu o fiz antes.


Eu não sei contar piadas... Então tentei escrever para a Fada Bêbada uma graça que a fizesse rir. Ela não achou graça. E eu queria muito que ela risse hoje. Mas fechou-me a cara na porta e a porta não abriu mais. Estou procurando a chave. Se alguém achar...

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A criatura e a palavra


A criatura, cujo hálito embriagado, vomita a noite ida e a bílis amarelada pela janela, fica quieta em seu casulo até a próxima madrugada, quando sai borboleteada e ainda zonza. Ela só não se conforma em ter que dizer alguma coisa. Ela é tão linda em suas asas translúcidas, aeradas, oníricas.... Dizer o que?!
Mas não bastam imagens, nem palavras ocas. Deve haver o óbvio e o óbvio lhe soa pontiagudo demais aos ouvidos. A criatura não cabe na palavra e se recusa a usá-la como recipiente. Também não pretende carregá-la em suas asas. A palavra tem seus próprios artefatos flutuantes...
Comer a palavra e ser comida por ela. É a única imagem que aceitaria gora. Mas essa aceitação é inócua! Então, a criatura torna a fechar e abrir suas asas num silêncio acetinadamente leve. E voltará, depois, ao seu casulo para engendrar os novos dizeres que não dirão nada. Só sua borboletice abrirá e fechará a os lábios e as pálpebras do tempo.