domingo, 17 de março de 2013

A moça das quintas-feiras

Quando se viu apaixonada, perdeu as horas dos dias e quase todos os dias da semana em besteiras românticas. Menos a quinta-feira, porque era nas quintas-feiras que ele a procurava e queria vê-la, e era todo disposição e disponibilidades. Então, na quinta ela estava a postos, a espera pelo chamado que na certa viria. E vinha! Vinha sempre... E quando era dia de lua, então a quinta era ainda mais cheia e seu riso ainda mais escancarado. Ela, a moça das quintas-feiras!!!

Mas eis que vinha a sexta e ela se punha a lembrar da quinta para continuara a sorrir, vinha o sábado e seu riso se perdia mais. No domingo não tinha riso, na segunda não tinha boca. Na terça então nem moça tinha. A quarta vinha e ela lembrava de existir pra, logo, a quinta poder chegar. Quando era quinta-feira ida e ela chamava pelo nome perdido do seu amado, ele respondia de longe, com um bilhete trazido pelo vento : “beijos , beijos de boa semana, bela moça da quinta”

E como tudo tardava a virar quinta e toda quinta se apressava em já ser sexta, ela passou uma semana inteira pensando... até encontrar o que julgou ser a solução perfeita para o seu descompasso sentimental. Como era muito amiga do deus tempo, pediu-lhe para que todos os dias da semana fossem então quintas-feiras, assim não teria que esperar seu amado voltar já que ele não teria mais de partir.

E assim foi feito. Segunda virou quinta; terça, quinta; quarta também; sexta igualmente; sábado, do mesmo modo e domingo quintafeirou-se de vez. A moça, então, muito satisfeita, não tardou esperando o amado e sabia que seria a última vez que ele chegaria. Só não contava que seria também a última em que partiria. E, tão logo, a primeira quinta se punha, o rapaz beijou-lhe a fronte e falou-lhe logo “beijos, beijos de boas quintas-feiras” e assim lançou-se no vento para nunca mais.

sábado, 2 de março de 2013

O ciúme


Porque, afinal, acreditava que a evolução fosse o caminho perseguido e inevitável, tratou de minar o ciúme doentio de tudo a que se afeiçoava - e até do que não, mas, que por alguma razão insólita, dava-lhe algum prazer.

Evoluiu tanto que não tinha mais ciúmes dos amigos, nem do noivo, nem do chefe da repartição. Sim, porque ela costumava ter crises de ciúmes avassaladoras do chefe quando algum colega se destacava mais  que sua habitual eficiência.  Mas já ia longe o tempo em que primos e sobrinhos, namorados e até vizinhos mais próximos lhe tiravam o sono e o pouco juízo.

E quando já não sentia há muito o gosto amargo do bichinho impertinente do ciúme, dedicou-se mesmo ao amor livre... afinal, o lance não era dividir amor, mas multiplicar afetos e experimentos, e gostos, e gozos...

Até que, convicta de seu alto grau evolutivo, começou a se perguntar se seria capaz de sentir ciúmes do que quer que fosse... Era tão mesquinho... Foram tantos anos de desapego e sublimação da posse em nome de um hedonismo heroico e convincente, que todo o resto lhe era agora estranho.

E amor livre vai, amor livre vem... eis que se depara com alguém um pouco mais desapegado que seu desapego e ainda mais fluido que sua fluidez... e foi por água abaixo toda a malemolência, toda o comedimento de sua sensatez... E sob a benção de Hera, Otello, D. José, Dom Casmurro e todo a legião de possessos afins, lançou sua flecha preta e, garganta furada, morreu. Morreu como ato único e último de toda perfeita evolução.