domingo, 25 de dezembro de 2011

Síndrome do não pertencimento


       Há algum tempo, encontrei-a de bruços sobre o choro derramado. Quando os soluços a deixaram esboçar um murmúrio, caiu em novo pranto... O pranto do seu não pertencimento.
       A vaidade de sua coleção de amores não fora capaz de contê-la e ei-la fluida na espiral de seus afetos. Seu amor era tão maior que não caberia em alguém, em ninguém. E nem por isso era melhor que coisa alguma. Nem o mundo a continha, então o tal estranhamento. Por mais que se apressasse, o tempo lhe corria nas veias, no sorriso do filho que não tinha e a morte instruía seu tanto de vida. Tinha amigos, amores e muitos anos. Uma semana depois adotou um gato.
      E quando mais recentemente a encontrei, com um riso leve e bobo pendente dos lábios, disse-me que agora estava presa num grande par de olhos amarelos e depois me contaria o que era estar contida em. Depois, certamente com propriedade, discorreria então sobre seu pertencimento.


Uma música de gato só pra chatear o silêncio: http://www.youtube.com/watch?v=S2Lke5o5ORg&feature=g-upl&context=G23f40d6AUAAAAAAAGAA

Fala de Natal


Hoje eu sou uma palavra vazia de tudo dentro. Uma palavra ao avesso.  O verso das avenidas mudas e o verbo nu de quem desfala coisas.  Algo como a palavra sem epiderme, derme, nem gérmen ou silêncio. Só a boca cheia do nada num riso ladino de esquecimento. Mas daqui a pouco a madrugada vomita o dia e pronto! Religa-se o botão das alegorias.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

‘Pequena consideração sobre a fugacidade da embriaguez’ ou ‘Breve conto para Hans Christian Andersen’, ‘Rápida melodia para Caymmi’ ou talvez ‘Um causo de peixe para pescador ‘


“De repente as ondas salgadas conheçam o toque das pedras do mar”. Era mais ou menos isso que dizia a letra da canção. Era uma canção praieira tão docemente cantada que poderia enfeitiçar qualquer marujo ou escolado pescador. Mas a sobriedade veio a reboque do último gole de café. 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Muita gente pra pouca humanidade


  N´alguma fenda secreta de nossas almas, um serzinho ínfimo, quase invisível, alimenta dia após dia, um Hyde carniceiro, um Exu faminto, um diabinho com tridente afiado. E cada um sabe a hora de soltar os bichos. Cada um sabe quando toca o terceiro sinal para lançar seu monstro ao público.E é nesse átimo bestial que nos batizamos de tão propagada humanidade. Paradoxalmente, é neste mesmo instante que ressoam dos quatro cantos burburinhos como “Isso é desumano!!”. Essa humanidade hígida é uma perfídia, daí a máxima cristã: “... que atire a primeira pedra...”
      Hyde está sempre se aquecendo atrás da cochia...Qualquer hora ele ganha a cena e não vai ser uma pedra que ele vai lançar. Ele vai chegar montado numa catapulta! E depois do espetáculo, sem nenhuma polidez, arrotará na cara dos pagantes, sem ao menos lembrar de agradecer ao serzinho ínfimo que tão desveladamente o alimentou. Talvez Hayde cante algo assim...

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Sem Lua


Passou pra lá de um ano morta de amores pelo rapaz forte que tinha um dragão tatuado no tórax e sorriso de garoto Colgate. Nunca foi dada aos bonitinhos, mas eis que...

Só que do seu violão mal tocado não saíra uma só musiquinha desse amor doído. Doído sim porque ela não era o tipo de moça que servisse para o tal rapaz bem apessoado. Era feia, sem graça, usava óculos totalmente démodé e calças folgadas e amarrotadas. Mas era devota de São Jorge, gostava de lua, filha de Oxóssi... E ele tinha um dragão.

Todos os seus outros amores, solitários ou não, tiveram melodias. Mesmo os breves affairs! Como este não tinha nem um refrãozinho, resolveu achar que era castigo. Afinal, amores baratos não valiam canções!
E com a graça passada do tempo que a todos e tudo cura, ei-la eufórica com novos ares, agora mais condizentes ao seu “tipo de rapazes eleitos”. O moço não era alto nem baixo, não era gordo nem magro, nem careca , nem cabeludo, nem muito jovem nem tampouco velho demais,  mais carismático que propriamente inteligente e usava óculos também démodé!

E então seria noite de lua... E ela uivando pelas algibeiras! Mandou ao novo rapaz alguns torpedos empolgados sobre um tal lual, sobre o primeiro dia de lua cheia...  Ele, mesmo sem o charme, nem o dragão do garoto Colgate, fez-se de desentendido.

Ela abriu a janela, afinal, ao menos teria a lua... Que não apareceu!  Então, restou o violão e um poeminha musicado que ela gravou mesmo sem o status de sofrível!

No dia seguinte, uma angustiante ressaca melódica! A maldita musiquinha mal tocada falava de dragão, de Jorge... E o novo rapaz nem lhe devolvera o torpedo! Ficou sem lua, sem  graça ... E ainda perdeu a música para o velho amor barato!

 ............. A FadaBêbada, sem dó nem piedade publica o link da música pouco sofrível abaixo. Pobre moça desaluada.....
http://www.youtube.com/watch?v=KknwEBzRCeY&feature=g-upl&context=G1ab99AUAAAAAAAAAA

domingo, 11 de dezembro de 2011

A menina que falava demais



Ela usava sapatos coloridos. E trocava alhos por bugalhos. Tinha discalculia – comumente lia 78, que era o número da sua casa, mas falava ou escrevia 87... Por isso certamente elegera, mesmo que inconscientemente, o 33 como seu número da sorte.  Trinta e três era trinta e três e pronto. Sempre seria.

Talvez também tivesse dispraxia. Batia-se com frequência nas coisas, pisava mal, caía. Era, no senso comum, estabanada, como diziam sempre. E tinha uma descoordenação motora inimaginável.

E falava demais para tentar esconder o silêncio da sua timidez. Entristecia quando não ouvia o eco de um pensamento. Então ela pensava, pensava... Pensava até a mente fazer calo e só era feliz cantando porque achava que a música era o pensamento com roupa de festa.

Assim ela vivia a falar... E a cantar... E a sorrir. Falava para esconder o silêncio, cantava, que era a fala mais aprumada e sorria porque sorrir era a felicidade da canção!

E quem a conhecia, não poucas vezes se deixava encantar pelo riso, ou pela música, pela fala... Mas vinham os dias, e as noites, e os dias de novo... Até que chegava a falácia e descobria o encanto. Afinal, ela tropeçava nos próprios pés... Perdia a data do pagamento das contas, perdia as contas! E esquecia! Esquecia a porta aberta quando era pra fechar ou fechada quando era para abrir.

Era deste jeito que quem se apaixonava por ela, não tardava a se desapaixonar.  E voltava o silêncio, em seu cortejo mudo e certeiro, envolvendo-a num manto aprumado, comprido ... Ela emudecia, ficava séria, punha os óculos de grau e trocava os sapatos coloridos por pantufas desbotadas. Quando já quase se esquecia de si em seu próprio esquecimento, chegava-lhe, de repente, algum tilintar de vento na janela, algum tamborilar de chuva na calçada e ela recomeçava a contar e a cantar a musiquinha das coisas...

Até que um dia, alguém, que não se apaixonou pelo canto, nem pelo conto da menina que não contava direito, deixou-se encantar pelo seu silêncio.

Depois deste dia eu não soube dela, já que parou de falar demais e tirou os sapatos coloridos para não fazer barulho por onde andasse.  De vez em quando, aprumo o ouvido e ouço o vento roçar a cortina, porque era isso que ela cantava e dizia que era música e é isso que ela deve estar cantando por aí.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Palavra tentada


Agora não se fala nem pouco mais ou menos sobre o que se pretendia falar.  A palavra que habita os abismos, habita, de quando em vez, as tempestades e faz-se ouvir em pingos –arautos de chuvas.  Fica esquecida na garganta, na boca - cavidade maior do mundo.  Essa palavra, não perdida, mas nunca encontrada é a palavra intentada e resvalada nas (im)possibilidades da língua.