quarta-feira, 16 de maio de 2012

"Factótum", Cap. 37

 

Certas escrivinhações apenas se escrevem. Não é a primeira vez que, lendo Bukowski, visto-me na pele de suas mulheres e regurgito suas palavras... A FadaBêbada diz que isso não passa  de mera admiração, que estilística ou etílicamente pouco importa, já que não me tornará melhor bebedora, quiçá escritora de coisa alguma!!! Neste caso, bambear, tropeçar e cair será sempre a menor das consequencias!

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Eu era a secretária da gerencia. Há época, só me conheciam por Carmen mesmo e a origem espanhola do meu nome não condizia com meus cabelos muito loiros e minha pele clara, sem mancha nenhuma de sol. Usava vestidos de tricô com decotes que insinuavam meus 300ml de silicone em cada peito e faziam meu corpo insolente a tudo ao redor. Sapatos sempre de salto agulha, meias de nylon, cinta-liga e mais uma porção de adereços que me consumiam quase metade do ordenado raquítico que ganhava naquela espelunca. Tinha muitas certezas àquela época, dentre elas : a plena consciência do poder da dança dos meus quadris no vai e vem da malemolência dos meus vinte e poucos verdejantes anos.
O escritório era um ambiente insalubre, inóspito e todos eram olhos famintos no meu serpenteado de única fêmea reinante. Eu... gostava.  O encarregado das entregas, um sujeito de mãos largas, rudes e ares de quem não sabia, nem queria, ter lábia doce pra mulher alguma, despia-me despudoradamente com pensamentos tão lascivos que seriam capazes de ruborizar até as mentes mais sujas. Finalmente, sem mais se conter em suas calças, puxou-me a um dos transportes de carga que descarregavam nos fundo do galpão. Pegou-me por trás, numa fúria bestial. Foi bom. Morno... quase tão quente quanto o sangue que lhe fervia as têmporas embebidas em suor.  Por um momento, esforçando-me na busca de seus olhos desgarrados, quase descobria  em que paragens perdiam-se febris, mas estava mais divertido senti-lo quente e pulsante entre minhas coxas grossas. Tinha me erguido o vestido de tricô acima dos quadris e começado a meter-se em mim num ritmo até bem envolvente. Por fim, apertou-me os lábios contra sua boca, como se quisesse, inutilmente, arrancar-me o vermelho e só percebi que gozou pela sua respiração que começava a desacelerar. Depois, a misericordiosa e cerrada escuridão tragou  a cara insólita daquele homem , brindando-me com nossos silêncios apaziguados.

"Bad as me" (não poderia faltar trilha sonora para minha incorporação andrógino-bukowskiana)

sábado, 12 de maio de 2012

Tempo de domingo


Ela tinha vinte e dois anos, três papagaios, duas tartarugas e um medo horrível da solidão... Mas não gostava de gente.

Trabalhava de sábado a sábado, das oito às dezoito... e no domingo  conversava com  a algazarra de Tartufo, Rogério e  Alfredo. Alternava o passar do tempo dando  alface fresca a Margot e Osmar. Mas sempre, ainda antes das seis da tarde, sobrava um tempo que demorava a acabar. A programação da TV aberta lhe lembrava o fim da tarde de um domingo lento e isso, de uma forma muito certeira, a perturbava.

Não costumava ter dinheiro sobrando para locar filmes... e quando tinha... preferia ir ao cinema. Hesitava, na maior parte das vezes, porque sabia que a olhariam, teriam pena de que estivesse só... Então, chegava sempre com os traillers começando. E, se por ventura, errasse nos cálculos e chegasse um pouco antes, fazia pose na catraca da entrada, olhando impacientemente o relógio e pegando o celular como se fosse discar para alguém que a fazia esperar. Assim ficava mais aliviada. Mesmo assim, só entrava na sessão, depois das luzes apagadas e fazendo  cara de quem tomou bolo!

Teve uns dois namoricos, que não superaram o marco de um mês de deduração e, nas duas vezes, deu graças a Deus quando terminaram. Além de tudo não gostava de sexo... ou  não sentia falta...

Começou a fazer terapia dizendo que tinha medo que seus bichos morressem antes de si...Felizmente eles ainda dispunham de muita vida pela frente. Também a terapia durou três ou quatro inconsistentes sessões...

Então, adotou mais dois cágados, um papagaio cego, que lhe demandava cuidados especiais, e plantou coentro e tomates num canteiro improvisado no fundo da cozinha. Agora andava até acelerada, senão o domingo não caberia no final de semana! Deitava bem cansada e quando abria o olho... já era segunda-feira!