domingo, 11 de dezembro de 2011

A menina que falava demais



Ela usava sapatos coloridos. E trocava alhos por bugalhos. Tinha discalculia – comumente lia 78, que era o número da sua casa, mas falava ou escrevia 87... Por isso certamente elegera, mesmo que inconscientemente, o 33 como seu número da sorte.  Trinta e três era trinta e três e pronto. Sempre seria.

Talvez também tivesse dispraxia. Batia-se com frequência nas coisas, pisava mal, caía. Era, no senso comum, estabanada, como diziam sempre. E tinha uma descoordenação motora inimaginável.

E falava demais para tentar esconder o silêncio da sua timidez. Entristecia quando não ouvia o eco de um pensamento. Então ela pensava, pensava... Pensava até a mente fazer calo e só era feliz cantando porque achava que a música era o pensamento com roupa de festa.

Assim ela vivia a falar... E a cantar... E a sorrir. Falava para esconder o silêncio, cantava, que era a fala mais aprumada e sorria porque sorrir era a felicidade da canção!

E quem a conhecia, não poucas vezes se deixava encantar pelo riso, ou pela música, pela fala... Mas vinham os dias, e as noites, e os dias de novo... Até que chegava a falácia e descobria o encanto. Afinal, ela tropeçava nos próprios pés... Perdia a data do pagamento das contas, perdia as contas! E esquecia! Esquecia a porta aberta quando era pra fechar ou fechada quando era para abrir.

Era deste jeito que quem se apaixonava por ela, não tardava a se desapaixonar.  E voltava o silêncio, em seu cortejo mudo e certeiro, envolvendo-a num manto aprumado, comprido ... Ela emudecia, ficava séria, punha os óculos de grau e trocava os sapatos coloridos por pantufas desbotadas. Quando já quase se esquecia de si em seu próprio esquecimento, chegava-lhe, de repente, algum tilintar de vento na janela, algum tamborilar de chuva na calçada e ela recomeçava a contar e a cantar a musiquinha das coisas...

Até que um dia, alguém, que não se apaixonou pelo canto, nem pelo conto da menina que não contava direito, deixou-se encantar pelo seu silêncio.

Depois deste dia eu não soube dela, já que parou de falar demais e tirou os sapatos coloridos para não fazer barulho por onde andasse.  De vez em quando, aprumo o ouvido e ouço o vento roçar a cortina, porque era isso que ela cantava e dizia que era música e é isso que ela deve estar cantando por aí.

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