quarta-feira, 4 de abril de 2012

Safo e o mito do fauno


Andava sempre atenta a possível aparição de um tal sátiro que há tempos lhe aparecera em sonho. Um sátiro, de pés de cordeiro, ombros de estivador e olhar psicodélico de quem pode ensandecer a qualquer momento. Apresentavam-lhe moços direitos, trabalhadores, de moral ilibada... e acreditava que descobriria faunos aprisionados sob tão renitentes virtudes. Conhecia-os um pouco mais... e confirmava que eram, sim, moços muito bem centrados em sua sanidade cotidiana e fecunda. Então se desinteressava e ia cuidar de suas alfacinhas. Eram as meninas dos seus olhos!
E se lhe perguntavam por que um sátiro, ela ria. Ria-se de si, mas não desistia de seu encantador. Dizia que ele tinha música, que sabia desfolhar realidades e conseguiria desnudá-la com um único sopro.  E se falavam que estava louca, ai sim se sentia em casa, afinal, era na falta de esteios que poderia esbarrar-se com seu fauno encantador de poetisas.
Ela virava os copos dos homens e não encontrava nada do que procurava dentro deles além do cheiro de álcool ou do gelo derretido. Tragava as guimbas apagadas nos cinzeiros alheios e continuava vestida com as segundas, terças ou quartas-feiras que lhe tatuavam a pele. Também o sábado e o domingo cobriam suas vergonhas da mesma digna e pudica veste. Ela só queria tê-las arrancadas ou rasgadas pelos caninos de um homem mau.
Chafurdava-se nos corpos dos homens e não encontrava nada senão peles e pelos obedientes a uma humanidade óbvia e incapaz de fazer-se barro ou voltar ao pó.
Errou desastrosamente na premissa de que seria mais fácil encontrar o homem errado que buscar o certo! Mas que ninguém a acusasse de idealista contumaz, afinal, não buscava a perfeição... só esperava o desgarrado, o sorrateiro, o descabido. E vejam só!  Ainda ia ter de escrever muita poesia, engolir muita madrugada a seco e amar muitas mulheres... até que Afrodite dotasse um fauno de encanto o bastante para lhe entorpecer algures.


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