domingo, 15 de agosto de 2010

W.C feminino

Mulheres fingem que não fingem e tanto fingem que fingem não fazer xixi em pé, esta que seria uma diferença significativa se estivéssemos tratando de divergências entre o modus operandi dos sistemas excretores feminino e masculino. Para a sorte da ciência e dos leitores, nossa discussão é bem mais sutil ou tão mais profunda que não valeria a pena chegar ao fundo do poço ou do fosso!

Feitas as preliminares e, sem trazer desta palavra qualquer duplo sentido, travaremos apenas mais uma conversa de mulher para mulheres - e homens, não necessariamente nesta ordem.

Homens constroem personagens femininas na tentativa de devassar seus interiores com uma propriedade de criador à sua criatura ou na busca por sentir, quem sabe, o contorcionismo das entranhas, o inchaço do ventre ou, quiçá, cólicas, que não meramente intestinais ou menstruais, mas cólicas de ira, de paúra, de doçura em excesso. Quantas Anas, Bárbaras e Helenas, quantas pequenas tecidas e vestidas! E quantas fulanas e beltranas que não tiveram sequer nome ou sobrenome, mas renomaram a sensibilidade de seus feitores!

Eles fazem belas cenas. Elas fingem orgasmos. Eles fingem o texto e o cenário. Elas vestem os papéis e reluzem-se no palco para o regozijo do público que finge acreditar.

Entender o universo feminino ganhou status artístico-filosófico, matiz de elevada sensibilidade. Algo como enxergar com o olho do fraco, tornando inevitavelmente digno o “enxergador”. A qüididade do movimento reside, pois, no barqueiro que, em seu barco, vê a margem passar, ou na margem por onde passa o barqueiro¿ A ontologia do universo feminino, do olhar de Monalisa às balzaquianas, traz um elemento quase transcendental à condição humana: a investigação do feminino por seus famintos olhos masculinos. Um espelho sem aço, confrontando resignado o homem à sua imagem dessemelhante.

Homens são desbravadores desde quando mulheres são observadoras de suas crias e cultivos. Então eles continuarão abrindo nossos armários, vestindo nossas roupas, escrevendo nossos diários com nossa caligrafia quase roubada. Continuarão adentrando nossos corpos em busca de nossas almas ou do famigerado ponto G, continuarão a nos bolinar na cadência certa, ou quase certa, de arrancar-nos o fremir. E nós continuaremos a fingir que fazemos xixi sentadas nos assentos dos shoppings, em que saímos à venda de nossas almas. Permitimos-lhes a crença do privilégio de fazerem xixi em pé. Afinal, eles nunca se lembrarão de perscrutar os banheiros femininos, onde deixamos silenciosos nossos dejetos. Enquanto eles estiverem ocupados em vasculhar-nos os medos e as nóias, o chão do banheiro poderá continuar salpicado de nós.

Um comentário:

  1. "Sigo passos,
    entro em cena com um texto que eu criei,
    o cenário é perfeito e o personagem eu inventei, foi ficando envolvente e um beijo ela quer,
    sem saber que já faz parte de um filme qualquer"

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