terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Bom dia , alegria!!


Era ouvir Piazzolla e começar a sentir peito piando, garganta apertando seca...  porque seu tango era triste, igual a seu riso fantasiado de alegria. A boca arregaçada era a dor de sua dor e o resto era música sofrível que arrancava do violão velho em desafinos. E o resto do resto era a lágrima seca nos poros abertos da cara fria.

Tudo aquilo era a falta que sobrava do amor que nunca houve - nem pra chegar, nem pra dizer adeus. Simplesmente não houve. Não ouviu seus gritos ou cicios.

E o tango tinha um soluço preso, uma urgência. Poderia ter uma dança, um movimento... mas o dela era guardado e fremia tudo da pele pra dentro. Nem sofria porque sofrer é, de alguma forma, pulsar e ela só conseguia implodir do amor que não ama, do choro que não sai, da mãe que não ganha nem perde seus filhos, da dor que não chega, nem fica pra ir embora.

Então quando a música acabava, ela fechava os olhos para ouvir menos a falta de voz na sala e para sentir menos frio, mas era sempre o contrário. Neste instante até o barulho longínquo do som desses velhos e enormes edifícios era abafada e entorpecida por um sono denso e contínuo.

No outro dia normalmente se atrasava. Esquecia o aparelho de som ligado em stand by com o Cd dentro, engolia um café preto dormido e descia calçando o sapato no corredor, vestindo o tallieur  na portaria  e só ajeitando os óculos enquanto cumprimentava o porteiro e a senhora do 101 com o sorriso simpático e solícito de todo o dia. E antes de voltar para buscar a chave do carro esquecida embaixo de alguma almofada, esquecia propositadamente o sorriso raso no rosto magro e ossudo de dentes amarelos, grandes e abertos.

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