Era ouvir
Piazzolla e começar a sentir peito piando, garganta apertando seca... porque seu tango era triste, igual a seu riso
fantasiado de alegria. A boca arregaçada era a dor de sua dor e o resto era
música sofrível que arrancava do violão velho em desafinos. E o resto do resto
era a lágrima seca nos poros abertos da cara fria.
Tudo aquilo
era a falta que sobrava do amor que nunca houve - nem pra chegar, nem pra dizer
adeus. Simplesmente não houve. Não ouviu seus gritos ou cicios.
E o tango
tinha um soluço preso, uma urgência. Poderia ter uma dança, um movimento... mas
o dela era guardado e fremia tudo da pele pra dentro. Nem sofria porque sofrer
é, de alguma forma, pulsar e ela só conseguia implodir do amor que não ama, do
choro que não sai, da mãe que não ganha nem perde seus filhos, da dor que não
chega, nem fica pra ir embora.
Então quando a
música acabava, ela fechava os olhos para ouvir menos a falta de voz na sala e
para sentir menos frio, mas era sempre o contrário. Neste instante até o
barulho longínquo do som desses velhos e enormes edifícios era abafada e
entorpecida por um sono denso e contínuo.
No outro dia
normalmente se atrasava. Esquecia o aparelho de som ligado em stand by com o Cd dentro, engolia um café
preto dormido e descia calçando o sapato no corredor, vestindo o tallieur na portaria e só ajeitando os óculos enquanto cumprimentava
o porteiro e a senhora do 101 com o sorriso simpático e solícito de todo o dia.
E antes de voltar para buscar a chave do carro esquecida embaixo de alguma
almofada, esquecia propositadamente o sorriso raso no rosto magro e ossudo de
dentes amarelos, grandes e abertos.
A poesia implícita que destila das palavras escritas pela misteriosa FB produz em mim sentimentos muito particulares, aparentemente contraditórios: de um lado, provoca-me uma certa melancolia, a qual se revela no desejo de acalentar essa pessoa que se atrasava, que voltava para buscar a chave do carro esquecida em almofadas possivelmente desbotadas; por outro, me traz um sentimento de alegria imensa por perceber uma pessoa muito próxima de mim, identificada com ideias e pensamentos não lineares e com sentimentos provocados por estranhas nostalgias de momentos não vivenciados, mas profundamente arraigados nas entranhas do ser.
ResponderExcluirAtravés destas palavras poéticas, escritas pela FB certamente no calor da pulsação dos sons de Piazzolla, sinto o privilégio de ter acesso a algumas pistas do passado desta pessoa, e muito mais ainda de poder partilhar das alegrias do momento e das certezas do futuro.