sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A medida do beijo


Já ia pela conta da quarta estação, desde que ela começara a contar! Aquilo não era mais um beijo... Era uma afronta hipnotizante para a moça do banco de trás que disfarçava o olhar pelo relógio, pousava-o na senhora gorda que imprimia um beliscão bem dado no possível neto irrequieto ao lado, então tornava a esbarrá-lo no casal acintoso à frente... Que, por um instante, parecia desgrudar os lábios...  Mas logo retomava ao estado de ósculo inercial, como se fosse a primeira ou última vez (de repente era mesmo!) ... Carioca, Glória, um solavanco no vagão – que na verdade não a faria balançar mais que o arroubo desmesurado do casalzinho da frente... Largo do Machado, uma espiada se alguma mensagem chegava ao celular, Flamengo... Mas ela era gorda. E ele era feio, tinha marcas de espinha mal cicatrizada na cara. Ela tinha peitos enormes, desproporcionais. Desproporcionais a quê? Decerto que não ao beijo. Botafogo, Cardeal Arco Verde... Então uma pausa. Quando eles se olharam a um palmo de distância ficou patente o quão zarolho ele era. Siqueira Campos, cabeça dela no ombro dele e só o deslizar barulhento do metrô. Novo olhar apaixonado e, antes que a moça de trás perdesse definitivamente sua estação de destino, o casal feio retomava o beijo.
Então, como não houvesse alternativa, senão saltar na última estação, fizeram-na todos: a gorda, o zarolho e a moça de trás. Claro que ela não os seguia, mas até chegarem ao final da estação, não precisaria passar-lhes à frente. Agora não importava mais, não haveria mais beijo para enrubescê-la. O casal feio seguia de mãos dadas e em silêncio sepulcral, não fosse a azáfama do fim de tarde, ao redor.
Quando o casal seguiu pela Sá Ferreira e a moça de trás ficou pra trás mesmo, encheu o peito e vangloriou-se ao final Eu sabia! O beijo não era longo. O papo é que nem era curto!

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